Perseverança, Solidariedade, Contemplação e Reza


1.

Deus não vê uma multidão de pessoas orando, nem a quantidade de horas de uma oração. Ele vê corações solidários e perseverantes.

"E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque pensam que pelo seu muito falar serão ouvidos." (Mateus 6.7)

Os gentios tinham uma crença pragmática na quantidade. Era o dito: "quanto mais, melhor". Quantidade era sinônimo de força. Aliás, isto é verdadeiro quando queremos uma resposta mais rápida dos serviços públicos. Talvez por isto tal princípio ganhou popularidade. Hoje não é diferente.

O problema é colocar um princípio verdadeiro numa área (social) em outra (espiritualidade) sem avaliar o contexto. Não estamos mais lhe dando com uma força impessoal, um serviço pré-programado para determinada situação, passível a pressões, uma máquina cuja produção aumenta com um maior volume de matéria-prima. Estamos lhe dando com um Ser Pessoal, Onipotente, Onisciente e Onipresente.

2.

Existe repetição vã e perseverante. Numa oração perseverante a repetição continua enquanto a satisfação não é suprida. Numa reza não há esta continuidade, mas uma atividade com prévias repetições geralmente pré-determinadas que não acompanham o suprir daquela satisfação, porque o sentimento de esperança foi depositado na força da quantidade.

"orando noite e dia, com máximo empenho, para vos ver pessoalmente" (I Tessalonicenses 3.10)

"orai sem cessar." (I Tessalonicenses 5.17)

"três vezes pedi ao Senhor que o afastasse de mim." (II Coríntios 12.8)

Podemos ter uma oração perseverante para conseguir, deixar ou manter algo. Como exemplos temos, não cair em tentação, rever um ente querido ou se livrar de alguma dor. E a oração só acaba quando toma conhecimento de que não precise mais ser persistente. Isto pode vir com a realização do desejo ou não - neste último caso por se conformar ou rever as coisas de outra forma.

3.

Existe coletividade vã e solidária. Numa oração solidária temos uma coletividade com sentimento de empatia. Geralmente a empatia é maior entre amigos ou irmãos da mesma comunidade porque o conhecimento do fato parece ser mais próximo aos sentidos. Empatia é se colocar no lugar do outro como se estivesse passando pela mesma coisa. Numa reza a empatia é substituída pela esperança na força da maioria.

"Pedro, pois, estava guardado na prisão; mas a igreja orava com insistência a Deus por ele." (Atos 12.5)

"Confessai, portanto, os vossos pecados uns aos outros, e orai uns pelos outros, para serdes curados." (Tiago 5.16)

4.

O princípio do "quanto mais, melhor" também vale para o modo da oração. A quantidade é apenas um exemplo de inutilidade. Não quer dizer que útil seja eficaz. Nos exemplos que citamos alguns não foram atendidos, mas foram verdadeiros momentos de espiritualidade com Deus. É como conversar com seu pai a respeito de um problema. A conversa foi real porque seu pai esteve ali e lhe ouviu, mas não implica que ele fará alguma coisa para resolver o problema. É diferente de conversar com uma pedra.

Outro exemplo que podemos extrai deste princípio é o modo da oração. Para orar algumas pessoas usam determinadas roupas, objetos, emanam certos sons, em lugares ou horas específicos ou com certos movimentos. Este é mais complicado porque no próprio judaísmo o modo fazia parte dos rituais. Contudo tudo isto teve seu propósito temporal na história do cristianismo para o cumprimento de determinadas profecias. Não era para ser absoluto. Era um ensinamento cuja aplicação era temporária e simbólica, uma sombra do que viria.

Assim como o "quanto mais, melhor" funciona no meio social, o modo também parece funcionar para determinadas situações. A imagem de um vendedor perante um cliente pode influenciar na compra. É desrespeitoso, logo podendo ser infrutífero, estar na presença de determinados governantes ou líderes públicos em algum tipo de audiência. Mas com quem estamos lhe dando?

Existe a oração contemplativa. Você não precisa baixar a cabeça, ajoelhar-se, fechar os olhos, juntar as mãos, emitir um mantra, acordar de madrugada, está vestido para orar a Deus. Com quem estamos lhe dando mesmo? Se precisar fazer todas estas coisas, faça-os naturalmente. Às vezes para obter concentração, querer demonstrar respeito ou humilhação, do seu jeito.

5.

Quando falamos reza não quer dizer uma prática católica, como se oração fosse uma prática protestante - apesar de ser mais comum a reza no meio católico. A Reforma teve a intenção de combater ou restaurar o perigo das rezas pagãs no meio cristão como ocorreram na época de Jesus. Porém a confusão é grande hoje. Temos até rezas perseverantes e solidárias. A pessoa possui uma atitude perseverante para obter algo, usando rezas, e outras com empatia deste desejo se juntam na mesma causa, com mais rezas. É construir um castelo numa base inútil.

A reza existe no meio protestante também. Pode ocorrer quando um irmão pede ao outro oração, sem este nem saber o nome e o problema. Quando liga para um "serviço de oração" e coloca numa lista para ser "trabalhada" por vários outros de plantão. Quando coloca uma foto no mural. Quando as vigílias são apenas pela noite ou apenas de joelho e de madrugada. Enfim, pode até ser mais comum mas não tão clara.

A solidariedade, a perseverança e contemplação não possuem imagem. Ela é invisível aos nossos sentidos. Só Deus vê. Por telefone, pela internet, por um familiar, por um amigo, por um irmão, por um serviço, por um ritual, por um culto, por uma tradição, por um comportamento podemos experimentar ou uma reza ou uma oração.

Se você descobre uma doença mortal em seu filho e a vida dele dependesse de você encontrar um médico, o que faria? Se um amigo sofre um acidente, o que faria? Se uma grande realização da sua vida estivesse para se cumprir, mas dependesse de algo seu, o que faria? Se precisasse falar com o maior chefão para salvar a vida de alguém, mas não tivesse tempo para se preparar, o que faria?

No fim dependerá do coração de cada um expor, naturalmente, em oração, o que faria por si só.

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