Sem palavras de consolo

Lembro de um dia muito triste um tempo atrás quando não passei num concurso. Eram muitos dias de expectativa, até planejamentos, principalmente após ter passado num concurso anterior pela primeira vez (não dentro das vagas, mas quase). Pelo menos próximo das vagas era o mínimo esperado. Não estava preparado para tal possibilidade: de não passar, nem aparecer na lista de aprovados.

Naquele dia chorei muito, fiquei arrasado. Não imaginava tal possibilidade. Num momento então levei Renata para uma praia quase deserta - Praia de Campina - e ficamos um tempo em silêncio olhando o mar. Ela sabia que eu não queria ouvir palavras como "não fique assim", "as coisas vão melhorar", "não é fim"... Eu queria companhia apenas.

Então comecei a conversar com ela. Não sobre o ocorrido, mas sobre como as pessoas pensam a respeito de fatos inesperados, adversos ou até, numa visão estreita da vida, injustos. Algumas pessoas gostam de pensar que seus atos morais/espirituais podem influenciar no resultado de um fato futuro e a partir daí criam todo uma expectativa em formato de planejamento. É como se fosse uma receita de bolo: faça assim que acontecerá assado. Várias tento chamar a minha própria atenção para não cair neste pensamento.

A pessoa então pode pensar que se procurar santidade, receberá "bençãos" como um resultado positivo do concurso. Por outro lado se pecar, poderá "perder a benção" do concurso (típico "evangeliquês"). E neste pensamento, caso não venha o resultado esperado e tenha se "mantido santo", joga ou a culpa em si mesmo ou em Deus e pode até entrar num caminho de revolta contra si ou contra seu deus. "Não consigo ter fé suficiente."; "Não consigo deixar de pecar"; "Sou um derrotado"; "O inimigo sempre vence"; "Deus não existe"; "Fui enganado"; "Não existe pecado"...

Parece bobagem, mas conheci pessoalmente muitas pessoas que pensam ou pensaram assim e largaram muita coisa na vida, principalmente a santidade. A santidade!

A santidade independe das circunstâncias. O resultado estava determinado a acontecer por um conjunto de fatores/causas das quais não temos noção em sua totalidade e complexidade. Seria demais tolice considerar apenas o esforço pessoal como único fator determinante de um acontecimento futuro inserido numa realidade da qual nem sequer temos a mínima noção, em cada instante, do conjunto de causas/efeitos que nos cercam. Fazemos parte deste conjunto contudo não o conhecemos por inteiro.

Por isto, a santidade não precisa ser usada como barganha. E o melhor consolo é compartilhar quando for tempo pra chorar ou para rir.

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