Doutrinas da Alma e do Coração

Vez e outra me deparo com um problema clássico no meio religioso: Prática x Teoria ou Doutrina x Experiência. E verdade percebo um problema comum por trás.

Primeiro convivi com pessoas que questionavam a minha fé por causa da minha intelectualidade, como se razão (pensar criteriosamente) fosse um oposto à crença cristã ou a uma prática profunda de espiritualidade. Aliás, sempre havia uma confusão dos meus opositores (mesmo entre não-religiosos) entre cientificidade, empirismo e lógica. Eles geralmente colocavam tudo numa só panela.

Com o aprofundamento na teologia, especialmente a reformada, a coisa piorou. Líderes sem domínio bíblico e teológico - diante das minhas posições, meus ensinos e questionamentos (numa perspectiva reformada) - justificavam a própria incompetência numa busca de uma profundidade espiritual baseada numa experiência beirando mais o paganismo e o misticismo do que o cristianismo (incoerentemente sem uma orientação de mesma profundidade dos fundamentos da própria fé). Obviamente os adeptos deles eram maiores, porque as pessoas não estavam interessadas em verificar aquilo que trazem de "bom" para elas. Confiavam no bom caráter dos líderes. E deste modo, procuravam invalidar a teologia reformada, especificamente a soteriologia (doutrina da salvação), da qual cria, com a experiência deles. Era a velha rivalidade Prática x Teoria. Como se os resultados das experiências deles (milagres, felicidade, dons) fossem maiores do que a própria hermenêutica. É como querer invalidar uma conta de matemática (2 + 2 = 4) porque a maioria acredita diferente.

A soteriologia está para a alma como a cardiologia está para o coração. A preocupação da soteriologia é formular uma verdade para a salvação da alma do pecador. Alma enquanto aspecto do homem que se relaciona com a divindade, apenas. Aspecto transcendente, subjetivo. Não como um ser completo, com corpo, mente, coração e vivendo em sociedade. Por isto temos a Responsabilidade Social da Igreja de Calvino, A Ética Protestante de Weber, A Missão Integral do Pacto de Lausanne (por que não toda a Teologia da Libertação?), pois são tentativas de lembrarmos de que a o cristianismo (verdade e prática cristã) não se encerra na doutrina, especialmente aquelas destinadas a formular verdades para alma/espírito do homem, aspecto da relação com a divindade.

Engraçado como as pessoas passam a rejeitar certas teologias "tradicionais", "ultrapassadas", "deterministas" como a calvinista ou reformada, quando conhecem a "praxis teológica" (seja no neo-pentecostalismo, apaixonado por Jesus ou na praxia da libertação). Na verdade há aqui uma certa cegueira ou até incompetência em não ter notado que "doutrinas da alma" tinham a única preocupação na verdade enquanto formulação, já que estava se tratando de um ser que não se podia tocar, experimentar ou analisar: a alma.

Vejamos a soteriologia, doutrina da salvação. É uma doutrina da alma. Sua preocupação é formular a verdade da salvação da alma do pecador e não do homem como um ser completo com problemas psicológicos, sociais, físico, etc. Contudo não devemos encerrar a teologia na soteriologia. Infelizmente muitas igrejas e líderes fizeram isto: colocaram a verdade cristã apenas como formulação em si e não como ferramenta de transformação.

Uma "doutrina do coração" está preocupada na transformação concreta (psicológica, física, social) do homem e não numa mudança no mundo espiritual que não tem reflexo direto no corpo do homem, num processo social ou jurídico. Doutrinas relacionadas com o caráter cristão podem sim ser motivadas pelas verdades das "doutrinas da alma", mas encerradas nelas. A contribuição concreta poderá vir das ciências humanas enquanto fonte para o conhecimento do contexto social, político, biológico e mental do homem. E ciência humana não é sinônimo de ateísmo. Não coloquemos tudo numa só panela.

É incompatível a Teologia da Libertação com a Teologia Calvinista? A pergunta foi mal formulada. Em qual ponto de uma teologia se compara a outra? Está se comparando "doutrina de alma" com "doutrina do coração"? Se sim, então começou errado. É como querer que a predestinação/eleição na soteriologia calvinista (reformada) falasse do evangelho transformando um pobre rejeitado pela sociedade num cidadão cristão influente na sociedade. Percebe o erro?

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