A arte de se enganar


Enganar-se é uma das artes mais antigas e comuns da humanidade. Na atualidade e na história é notório perceber como as pessoas agem de acordo com certos valores mesmo não consciente deles ou até mesmo negando-os. Fenômenos do passado, do presente, em pessoas ou grupos inteiros revelam o quanto é forte, belo e doce o engano. 

Muito antes de, por exemplo, o Comportamento Organizacional, com base na Psicologia, utilizar a expressão dissonância cognitiva para auxiliar os gestores de organizações na modelagem do comportamento humano  já existia esta sabedoria milenar e bíblica: “Enganoso é o coração, mais do que todas as cousas, e desesperadamente corrupto, quem o conhecerá? Eu, o Senhor, esquadrinho o coração” (Jeremias 17.9-10). 

(Isso não faz da Bíblia um livro de Psicologia nem científico. Simplesmente esse não é o ponto aqui!)

Quando algo é corrupto é impossível vê-lo claramente como realmente é por causa de sua sujeira ou impureza. Já tentou convencer ou explicar a alguém sobre algo quando exatamente isso a deixa impaciente, enfurecida, viciada, chateada, magoada ou num estado semelhante? Dificilmente vai conseguir ouvir ou se preocupar em entender. Muito menos se esse estado já se prolongou por muito tempo. E aí nasce e permanece o pré-conceito, exatamente no centro dos sentidos, representado pelo coração, de tal sorte que impede ou corrompe o homem no entendimento de seus próprios atos.

O apóstolo Paulo antes de ser cristão era um dos principais perseguidores do cristianismo e um grande mestre da lei judaica. Tinha conhecimento e poder, não era um ignorante qualquer. Porém após viver uma experiência única passou a conhecer, entender e viver em função de um evangelho (belo resumo em Romanos 3) que antes negava.

Lembro muito bem minha perseguição pessoal com minha mãe por ser “evangélica”, de uma igreja batista. Por muitos anos a critiquei, discriminei e senti vergonha dela, pois era “mais um daqueles fanáticos evangélicos com a Bíblia debaixo do braço achando que já estava salvo”. Sentia nojo, raiva, repúdio desse tipo de gente. Então passei muito tempo freqüentando a escola bíblica dominical só para descobrir e revelar a “grande farsa” da vida deles. De fato, muitas coisas desagradáveis foram descobertas, principalmente em mim.

O começo da minha vida cristã não foi fácil, porquanto era muito desequilibrada pela falta de um discipulado ou orientação mais madura. Vivia o paradigma de uma espiritualidade superior que me levou a um isolamento social buscando experiências sobrenaturais com Deus enquanto os outros eram “frios” ou “carnais”. Entretanto o livro “Crer É Também Pensar”, de John Stott, foi um divisor de águas para um cristianismo equilibrado. Tempos depois muitas práticas cristãs, como oração, adoração, serviço, evangelho, ensino, santidade também passaram por uma profundidade e maturidade bem superior quando não passei mais a viver em função da corrente teológica conhecida como Arminianismo - e nem sabia que tinha essas crenças.

Enfim, quando confrontado num modo de viver, primeiro sempre o defendia sem ao menos procurar entender o outro. Rejeitava-o em vez de negá-lo, a priori. Parecia mais simples, fácil, rápido, conveniente, superior, seguro, racional, vitorioso, equilibrado ou parecido, só não honesto. E assim vivia.

Negar é não aceitar aquilo que conheceu. Requer convicção. Rejeitar é ignorar, não precisando necessariamente de conhecimento de causa, geralmente como resultado de pré-conceitos. Passei muitos anos estudando e se aprofundando na doutrina espírita para ter condições sérias de não concordar com suas críticas ao cristianismo "tradicional" e nem na sua interpretação da Bíblia. O "problema" especificamente nesse campo religioso está mais relacionado com experiências e não doutrinas.

Debates religiosos, ideológicos, entre outros, não são necessariamente auto-enganosos, contudo são cheios disso. Na atualidade os grupos da causa gay parecem não estar fazendo diferente de outros grupos como o espiritismo e o ateísmo já fizeram. O primeiro alegava cientificidade quando na verdade não passava de um tipo de empirismo. O segundo por sua vez afirmava ter racionalidade superior, porém sendo tão religioso quanto o Criacionismo ou Design Inteligente era científico. Grupos cristãos também se enganam e vi de perto muitos.

Quando você comenta com alguém sobre pessoas que deixaram de “ser” homossexuais, normalmente ouve uma risada ou o seguinte ultimato: “Nunca vai deixar de ser assim! Não é uma doença ou coisa do tipo!”. Aí me lembro de casos próximos e históricos de pessoas que deixaram de “ser” uma coisa (inclusive gay) e se “tornaram outra", sem lavagem cerebral, sem esquecer o que foram ou que sentiram, porém vivendo uma nova liberdade em função de novos valores, com muita ou pouca dificuldade, mas pelo menos convictos e ajudados pelo Outro sem confiar apenas em si mesmos.

Será que você decide viver um casamento assim como escolhe uma roupa? Não é tão simples nem tão espúrio.

O engano escraviza a quem cega, fazendo a mente não perceber a doçura e beleza da mentira dentro do coração.

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