Repensando o que você orgulhosamente conseguiu com sua fé e vida


Não tenho dúvidas do quanto "um novo entendimento muda a vida de uma pessoa" (Terry Johnson), pois um pouco mais de dez anos atrás, tinha conhecido várias fontes de orgulho na própria fé que praticava (ainda incipiente) e na vida que levava, quando bebi do olhar da graça de Deus (através do livro "A Doutrina da Graça na Vida Prática", de Terry Johnson).


Nessa época, a arrogância era uma impureza difícil de se detectar porque não havia a lupa da Graça. Aliás, o "pecado mais apreciado pelo diabo é o orgulho que imita a humildade" (Samuel Taylor Coleridge).

Ora, pensei que podia me tornar orgulhoso da própria conversão. Afinal passei por um longo processo intelectual, questionando todas as coisas: a intenção dos líderes, a história da igreja, a interpretação dos textos sagrados etc. Considerei, então, todos os fatos (diferente dos ignorantes e fanáticos) e tomei a decisão certa: ser cristão.

Acreditando nisso, concluía possuir uma sabedoria necessária (ainda que pequena) para ter o favor de Deus, uma forte fé para conquistar a salvação ("a fé salva!"), a vontade livre de ter escolhido a Jesus e um amor, desde criança, por Deus em meu coração (independente de religião).

Além disso, durante a santificação (após a conversão), como era mais ativo na igreja, interpretava as circunstâncias ao redor como respostas positivas de Deus a esse ativismo.

Era um castelo montado sob uma lei cristã da causa e do efeito ou do merecimento.

Porém um sopro de poucas palavras foram suficientes para derrubar esse castelo de areia e reencontrar um dos fundamentos principais do caráter cristão: a humildade. Mas era preciso "amar a verdade mais que a si mesmo", pois o "contrário da humildade é o orgulho, e todo orgulho é ignorância" (André Comte-Sponville).


E, dentre vários outros textos semelhantes, as palavras foram estas: "Pois, quem torna você diferente de qualquer outra pessoa? O que você tem que não tenha recebido? E se o recebeu, por que se orgulha, como se assim não fosse?" (1 Coríntios 4:7).

E o autor bíblico estava dizendo isso porque antes tinha dito: "Mas vós sois dele, em Jesus Cristo, o qual para nós foi feito por Deus sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção; Para que, como está escrito: Aquele que se gloria glorie-se no Senhor" (1 Coríntios 1:30-31).

Não há o que se gabar em qualquer elemento da metamorfose graciosa de sua vida, pois do começo ao fim a graça está lá.

Quando você achava que tinha entendido o evangelho por causa de suas habilidades cognitivas (melhor inteligência, percepção ou memória) e por alguma enganação ou armadilha de pregador, na verdade você foi salvo por Deus "pela loucura da pregação", que lhe deu a "mente de Cristo" (antes!), pois "o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente" (1 Coríntios 2:14), "visto como na sabedoria de Deus o mundo não conheceu a Deus pela sua sabedoria, aprouve a Deus salvar os crentes pela loucura da pregação." (1 Coríntios 1:21).

Então foi Deus quem lhe deu antes, de alguma forma, a sabedoria. 

Aliás quem acha que foi racional o suficiente para aceitar ou rejeitar o evangelho, na verdade pode desconhecer o fato de que usamos "frequentemente atalhos mentais e mesmo vieses que limitam e, algumas vezes, distorcem nossa capacidade para tomar decisões racionais" (Sternberg).

Quem realmente tem plena consciência de que foi prudente em algum julgamento ou decisão? "Quem conheceu a mente do Senhor, para que possa instruí-lo?" (1 Coríntios 2:16).

E a fé? Dom de Deus! "Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie" (Efésios 2:8-9). “Ora, ao que trabalha, o salário não é considerado como favor, e sim como dívida. Mas, ao que não trabalha, porém crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é atribuída como justiça” (Romanos 4.4-5); “não tendo justiça própria, que procede de lei, senão a que é mediante a fé em Cristo, a justiça que procede de Deus, baseada na fé” (Filipensses 3.8,9).

Cristo precisou morrer no lugar do pecador para pagar por seus pecados e precisou viver perfeitamente a lei no lugar do pecador para que este tivesse uma justiça perfeita diante de Deus. Assim, a fé é um instrumento e não tem valor merecedor em si; é um vaso vazio e de barro. “Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus e não de nós” (2 Coríntios 4.7). É por causa da graça (favor imerecido) que a justiça de Cristo nos é imputada mediante a fé. A fé, portanto, não tem nenhuma condição meritória, porém instrumental ou lógica. A fé em si é vazia para a justificação, pois ela apenas recebe o que realmente tem valor: a justiça de Cristo. 

Por isso Deus não pode responder a nossa fé, e sim usar a nossa fé como vaso para derramar a justiça de Cristo, pois a causa da justificação não é a fé do homem, mas a graça de Deus. Essa é a essência da justificação pela fé.


"Mas o arrependimento foi uma mudança que gerei no meu coração". Errado! É também dom de Deus, de alguma forma, pois foi Ele quem lhe deu um coração novo, por conseguinte, o arrependimento natural: "E dar-vos-ei um coração novo, e porei dentro de vós um espírito novo; e tirarei da vossa carne o coração de pedra, e vos darei um coração de carne" (Ezequiel 36:26). "Porque a tristeza segundo Deus opera arrependimento para a salvação, da qual ninguém se arrepende; mas a tristeza do mundo opera a morte" (2 Coríntios 7:10). “Viu o Senhor que era grande a maldade do homem na terra, e que toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era má continuamente” (Gênesis 6.5).

E com o amor não foi diferente da fé e do arrependimento. É uma resposta ao amor de Deus: "Nós o amamos a ele porque ele nos amou primeiro." (1 João 4:19).

Porém a escolha foi minha, a decisão foi minha. De fato, Deus não escolheu em seu lugar, porém "vocês não me escolheram, mas eu os escolhi" (João 15:16). A autoria de seus atos é sua obviamente, porém a responsabilidade de todo o complexo envolvido para garantir a sua escolha para Deus, não é sua. “Eu sei, ó Senhor, que não é do homem o seu caminho; nem é do homem que caminha o dirigir os seus passos” (Jeremias 10.23). 

Somos livres para fazer o que queremos, não tudo que concebemos em nossa mente. É um pássaro menos livre se não souber nadar? É um peixe menos livre se não souber voar? Como seres humanos somos menos livres se não pudermos ser como o super-homem da revista em quadrinhos? E como pode, portanto, um ser sem espiritualidade mostrar espiritualidade? Ora, a noção de racionalidade ilimitada pelos seres humanos é contestada desde 1950 por pesquisadores dentro da Psicologia Cognitiva (Sternberg).

Ninguém gosta de se sentir invadido. Ora, se um estranho entrasse em sua casa sem ser convidado certamente nos sentiríamos invadidos em nossa privacidade. Seria uma indelicadeza ou falta de educação para conosco. Entretanto, a misericórdia de Deus é maior, pois mesmo "estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo" (Efésios 2:5). 

Se Ele não desse um “coração de carne” o amor dEle seria impotente para realmente salvar alguém. Na verdade o valor e a força do amor de Deus está em salvar pecadores: “Nisto se manifestou o amor de Deus para conosco: em que Deus enviou seu Filho unigênito ao mundo, para que por meio dele vivamos” (I João 4.9). O amor de Deus não é um mero sentimento ou desejo de boa vontade aos homens. 

Às vezes um “estranho” tem que “invadir” a nossa privacidade para no fim descobrirmos e agradecermos que foi melhor assim, poque na verdade “não há quem entenda; não há quem busque a Deus” (Romanos 3.11).

E o seu trabalho? Mero fruto de seu esforço e estudo no colégio, no vestibular, na faculdade ou na empresa? Não! "E também que todo o homem coma e beba, e goze do bem de todo o seu trabalho; isto é um dom de Deus." (Eclesiastes 3:13).

Cadê o orgulho ou a confiança em si mesmo de que é justo? Há algum merecimento? Leia Lucas 18:9-14.


Tudo isso, no entanto, ainda é só o começo desse caminho de humildade, porque é preciso se aprofundar no conhecimento e na prática da Graça, mas o advérbio "graças a Deus" já adquire um sentido bem maior do que o simples corriqueiro "felizmente".

Obviamente é importante não confundir a causa natural das coisas com suas causas supranaturais, aonde Deus "na eternidade atua", que naturalmente não acompanhamos. Aliás, segundo o Nobel de Física, Serge Haroche, a "lógica do mundo quântico é muito diferente daquela que conseguimos estabelecer usando nossos próprios sentidos”.

“Bem aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus” (Mateus 5.3).
"Toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação" (Tiago 1:17).

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Terry Johnson. A Doutrina da Graça na Vida Prática. Editora Cultura Cristã.
André Comte-Sponville. Pequeno Tratado das Grandes Virtudes.
Robert J. Sternberg. Psicologia Cognitiva. São Paulo: Cengage Learning, 2010.
LOPES, R. J. (11 de 05 de 2013). 'Teletransporte vai continuar sendo ficção', diz Nobel. Acesso em 15 de 5 de 2013, disponível em Folha de S.Paulo: http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2013/05/1276764-teletransporte-vai-continuar-sendo-ficcao-diz-nobel.shtml

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