Seja Feliz no Ano Novo, com novas repetir-ações verdadeiras


Para minha retrospectiva de 2017, gostaria de escolher a palavra "preparação", melhor na forma "pré-para-ação", como ponto principal desta breve reflexão, e do que muito me marcou este ano.

Sou fã (da ética) de Aristóteles, especialmente no modo como aplica o conceito de moderação para construir o modelo de pessoa prudente, que é virtuosamente feliz, e habilmente política na comunidade. Há muito a falar sobre isso, mas quero me concentrar em algo implícito na ideia de moderação. Antes de falar do que está implícito, essa ideia infelizmente foi lida por filósofos medievais bem conhecidos, como um ponto fixo mediano, algo (quantitativo) que nem é muito nem pouco. Isso é algo que também herdamos. Às vezes essa ideia se expressa com um dizer como "prefiro me manter numa situação mais ou menos confortável" - é a famosa zona de conforto. A expressão "mais ou menos" aqui é dissimulada: quer passar (na fala) algo bom, sem se preocupar se há (na prática) algo ruim. Por isso essa expressão encanta gramaticalmente, porque o que é moderado está entre "mais" e "menos", se forem entendidos respectivamente como "excesso" e "ausência". Mas o que se expressa nem sempre pode refletir o que se pratica. A verdade é antes prática do que linguística.

O entendimento grego antigo de moderação era paradigmaticamente "acertar o alvo". É uma analogia que se aplicava bem a militares, atletas, artesões, técnicos, mestres, na ética, na administração, entre outros. Interessante que a palavra traduzida por "pecado", na Bíblia (cristã) grega, tem o sentido contrário, de "errar o alvo". Um problema, inclusive, conhecido como "legalismo", em muitas igrejas, é a visão míope de viver a santidade como algo sem equidade, sem área cinzenta, com uma moral quantitativamente predefinida, igualmente para todos, numa certa lista de "pode isso e não pode aquilo". Dessa forma, é arrancado um ingrediente essencial que está implícito na ideia de moderação: preparação. É esse o ingrediente enfatizado no alerta de Jesus, de que "estreita é a porta, e apertado o caminho que leva à vida". Na ética, é a habilidade prática da pessoa prudente, um tipo de moderação, que é preciso dominar, para acertar o alvo, de uma vida virtuosamente feliz, em meio a uma comunidade. 

Este ano a corrida de rua muito me ensinou sobre a pré-para-ação para alcançar moderação. Aliás, o nosso próprio corpo é um mundo, do qual podemos construir muitas razões, sobre nós, como seres capazes de desenvolver habilidades racionais e físicas. Passei quase dois anos e meio tentando, por si só, superar o limite de fazer menos de 30 minutos em 5 quilômetros. Só conseguia, por muito pouco, e com muito desconforto. E às vezes passava um tempo de molho, recuperando-se de algumas lesões. Aqui fiz uma confusão tremenda entre preparação e repetição. A repeti-ação do que desejava fazer não funcionava, nem mesmo era uma repetição de fato, pois não a fazia bem, mas era o suficiente para conhecer meus limites.

Treinar não é "repetir" a ação que deseja realizar bem, mas fazer algo (bem) diferente, que o prepare a realizar bem a ação desejada. Nesse sentido, você se prepara, por exemplo, com um estudo teórico das virtudes, por meio de um tratado ético; com um planejamento antes da execução; com orientação experiente, educativos, progressivos, intercaladas, musculação, sprints, reeducação alimentar, antes das corridas; numa auto-escola antes do teste; sendo um bom estudante antes de ser profissional, entre outros. 

E quando se sabe que está pronto ou preparado? Quando a repetição é bem verdadeira. Ter essa repetição não é ter a posse de algo em sua mãos, que se desgasta ou se perde em algum momento ou evento. É uma habilidade prática dominada, de tal forma, que novos limites possam ser traçados, não necessariamente perseguidos. Muitas vezes é algo que por reflexão você percebe que está chegando perto do alvo. Ter esse domínio é como poder cantar frequentemente (!) afinado, dirigir um carro sem precisar olhar constantemente a marcha etc. Uma vez adquirida por preparação precisa de manutenção. Isso às vezes ocorre ordinariamente. Quem dirige diariamente, diariamente está atualizando sua habilidade de direção (sem perceber). Por isso, é importante focar (se possível) naquilo em que a manutenção seja mais natural.

Este ano, vivenciei em um semestre o desenvolvimento de uma certa habilidade de corrida de rua, mas outras pré-para-ações continuam em paralelo, como a de bem fazer/ensinar/pesquisar filosofia, bem mais duradoura. Nessa última, faz parte do treino, por exemplo, dominar a fluência de pelo menos uma língua estrangeira (outra habilidade), que seja estratégica na carreira. Há ainda as habilidades de ser um bom pai, marido, filho, profissional, amigo, vizinho... (Queria, mas não falei sobre uma certa angústia, diante do volume diversificado de situações pelo qual a sociedade ou o mundo em que vivemos nos coloca, bem como uma espécie de bom sofrimento na aquisição da moderação, semelhante à árdua boa ação.)

Seja Feliz no Ano Novo, com novas repetir-ações verdadeiras.

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