Dogmas

I
Certa vez numa aula de teologia questionei ao professor a respeito de uma doutrina e o mesmo respondeu simplesmente: "isto é doutrina presbiteriana" (estávamos numa igreja batista). E aí respondi: "eu não sabia que havia igreja presbiteriana na época de Cristo". Na verdade a partir deste episódio minha vida se tornou um inferno nesta igreja.

Geramente quando ouvimos a palavra "dogma" logo vem a idéia de uma doutrina religiosa descabida, sem fundamento, questionável, falível. Contudo o dogmatismo surgiu como uma tentativa de organizar, unificar diferentes opiniões a respeito de um assunto. Eram feitos grandes reuniões (concílios) para chegar a um acordo da melhor definição de algo. Havia uma democracia...

Antigamente tínhamos livros com o nome Teologia Dogmática (sem dar importância ao autor), já hoje temos Teologia Sistemática (e o nome do autor em evidência).

A palavra "burocracia" etimologicamente passou por um processo degradativo semelhante. Surgiu como uma tentativa de organizar a produção, mas devido a imprevisões do comportamento humano passou a não ser tão benéfica assim e se criou um termo pejorativo para o mesmo.

II
Não vou entrar nas razões históricas, mas nos parece ser mais interessante, fácil, prático tomar decisões unilaterais e condenar os que discordam do que procurar discutir, ouvir. Na verdade, se pensarmos bem, tal discussão requer preparação e nem todos estão interessados e prontos para isto.

Dogma então é um fenômeno humano. Ele não ocorre apenas no ambiente religioso. Ocorre no ambiente de trabalho, político, jurídico, familiar, relacional, acadêmico, científico... Dogma é mais uma atitude do que uma "doutrina sem fundamento". É antes a vontade de não querer rever algo e impor.

E para lutarmos contra o dogma, cada ambiente pode oferecer alguns instrumentos. No caso do religioso (especificamente o protestante) temos a hermenêutica bíblica; no caso do jurídico temos pessoas e instrumentos legais constituídos: habeas corpus, ministério público...

O que acontece é que não usamos e nem nos preparamos para usar tais instrumentos e alimentamos mais ainda os dogmas. É comum a todos briguinhas entre ateus e teístas, entre arminianos e calvinistas, entre protestantes e católicos... Mas geralmente o que se nota é uma ignorância tremenda dos pressupostos um do outro a respeito de um ponto e aí como não se chega a um consenso é "melhor" alguém tomar uma decisão unilateral.

III
Por exemplo, as pessoas falam "mas a existência de Deus é um dogma"; "Maria é um dogma"; "os santos é um dogma"; "pecado original é dogma"; "sexo depois do casamento é um dogma"... E muitas vezes não percebem que estão usando pressupostos (implícitos) diferentes que não permitem a comparação e a validação dos seus raciocínios.

Quando um ateu questiona a afirmação da existência de Deus, na verdade ele está pressupondo (sem saber) que o conhecimento científico é o único instrumento a ser considerado, e se isto não ficar claro a discussão será circular com um teísta.

Muitas pessoas rejeitam aberrações ou distorções de uma religião, acreditando estarem rejeitando esta religião. Isto não quer dizer que o conhecimento verdadeiro da religião tornará maior a possibilidade da aceitação. Mas pelo menos a decisão de aceitação ou recusa será feita com maior convicção.

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