Revelação suficiente e não resposta para tudo

Muitos dariam qualquer coisa para saber os mistérios de tudo, mesmo não sendo necessário para a continuidade de sua própria vida.

O Cristianismo é uma religião fundamentada na Revelação e não na especulação. Não é como uma filosofia platonista onde certo conhecimento é gerado a partir da observação das coisas. Quando um menino está tentando descobrir qual o objeto debaixo de um lençol, analisando sua forma para tentar descobrir qual é o objeto, ele está especulando. Ele só terá certeza mesmo do objeto quando o lençol for retirado.

“Havendo Deus, outrora, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual também fez o universo.” (Hebreus 1.1,2). Como vemos, Deus se revelou ao homem, transmitindo-lhe certos conhecimentos até culminar em Jesus Cristo. Como? E o quê?

O conhecimento de Deus é impossível de ser alcançado pelo próprio homem. Um amigo certa vez me disse: “o homem não pode de dentro do cosmos, e vivenciando um fragmento mínimo do mesmo (tanto espacial quanto temporalmente), alcançar um conhecimento válido – no sentido lógico do termo – sobre a sua totalidade, seja para inteligir um sentido para a mesma ou afirmar que o sentido é que não há sentido algum.” (André Luiz).

Basicamente, os homens na história (da filosofia) procuraram encontrar alternativas para essa problemática. Platão procurou abstrair as coisas invisíveis ou universais a partir das coisas visíveis ou particulares. Em Kierkegaard, bem depois, vemos o “desespero humano”, numa época em que o conhecimento científico que era sinônimo de Razão e como herança ainda é hoje para muitos – e era tido como a última esperança do homem em conhecer a realidade última das coisas – se mostra “ineficaz”. Segundo Francis A. Schaeffer, em seu “O Deus que se Revela”, o homem então começa a procurar um sentido não-racional para os particulares e aí que temos o nascimento do existencialismo com figuras como, por exemplo, Sartre e Heidegger. E o racionalismo se torna pessimista.

A essa necessidade (problema), Schaeffer defende que o cristianismo tem a resposta (solução): “De acordo com o posicionamento judaico-cristão e da Reforma em geral, acreditamos que existe alguém com quem podemos conversar, e que ele nos transmitiu informações de dois tipos. Primeiramente, ele falou sobre si mesmo, não exaustiva, mas verdadeiramente; e, em segundo lugar, ele falou sobre a História e o Cosmos, não exaustiva, mas verdadeiramente.”

Com “não exaustiva, mas verdadeiramente” Schaeffer quer colocar que há um sentido, razão na relação sujeito-objeto a partir de um “olhar pessoal e infinito” mostrada pela Revelação no Cristianismo, que o homem pode escolher como pressuposto para viver em sua relação com as coisas, com o mundo, sem precisar ter o conhecimento exaustivo dela.

O agnóstico, por exemplo, vive no meio do dilema: não acredita em divindade alguma cujo conhecimento exaustivo não seja possível. Prefere deixar a questão em aberto. Já um ateu afirma que há conhecimento suficiente (científico) para afirmar que Deus não existe, como se o conhecimento do todo fosse alcançado. Na verdade, temos duas figuras que vivem os reflexos de uma problemática passada.

O Cristianismo então coloca que Deus já se revelou à humanidade, porém o suficiente (verdadeiramente) e não exaustivamente. E de forma geral e especial.

A forma geral, conhecido pelos teólogos como Revelação Geral, é geral pelo conteúdo e público. “Diz o insensato no seu coração: Não há Deus.” (Salmos 14.1). E o mesmo salmista diz a razão: “Os céus proclamam a glória de Deus”. Tudo em nossa volta, desde a menor partícula conhecida até o maior objeto visto, pela sua complexidade em sua formação e relação, nos permite inferir a existência de Deus. Talvez o salmista não entendesse ainda da problemática epistemológica que muitos filósofos depois enfrentariam, mas ele já vivenciava tal situação e já havia escolhido a solução. Ele inferiu a partir de sua pequenez e da grandiosidade do Cosmos.

Entretanto a Revelação não encerra na geral, pois não seria diferente de uma mitologia criada como uma necessidade para explicar as coisas. Assim, a especial, como é chamada, tem um conteúdo específico, direcionado, não exaustivo e uma forma de transmissão. “Toda Escritura é exalada por Deus” (2 Timóteo 3.16 – tradução mais coerente segundo Benjamin, http://www.monergismo.com/textos/bibliologia/conceito-biblico-inspiracao_warfield.pdf). O cristianismo é fundamentado na Bíblia por ser uma coleção de livros exalados ou inspirados – termo mais comum na teologia – por Deus.

A inspiração foi verbalizada, progressiva e contextualizada. Com isto queremos dizer que ela não veio numa língua de anjos ou coisa do tipo e nem veio com informações fora do contexto histórico-cultural dos primeiros destinatários. Não é psicografia, pois o conteúdo reflete o contexto cultural, pessoal e histórico do autor, e possui autoridade divina. Por isso a Bíblia não é livro teológico, antropológico, enciclopédico, filosófico e nem científico. Nicodemos fala, por exemplo, em seu livro “A Bíblia e seus intérpretes”, que os autores “se expressaram nos termos e dentro do conhecimento disponível naquela época, acomodando a verdade revelada em termos do que sabiam do mundo (...) No livro de Levítico, se diz que a lebre rumina e que o morcego é uma ave (...) tudo que tem asas e voa parece ave!”. Isto explica também porque encontramos Deus se revelando com ações e formas antropomórficas: “falou”, “suas maõs”...

Há que se observar uma diferença religiosa dentro do cristianismo: para a igreja católica a Bíblia é uma coleção infalível de livros infalíveis; e para a igreja protestante é uma coleção falível de livros infalíveis, cujas traduções também são falíveis. A importância, no protestantismo, não reside tanto na coleção em si, mas no conteúdo principal: o Evangelho (não estou dizendo o contrário para a igreja católica). Pois este pode ser transmitido ao homem (falado, cantado, simbolizado, em sonhos, por cultura...) a partir de ou parte de um livro ou um livro ou mais livros da Bíblia.

E nada impede de haver especulação e organização em cima do conhecimento revelado. Por isto temos teologias, filosofias e religiões cristãs.

O Evangelho então trata do aspecto moral do homem e de sua relação espiritual com Deus nesta vida e além dela, basicamente. Por isso, não trouxe respostas aos questionamentos sobre tudo.

Comentários

Aislan Fernandes disse…
Texto revisado e corrigido.
Aislan Fernandes disse…
O texto ainda contém muitos erros de português, mas...

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