Tipos de Ética nas Organizações?

Não é surpresa o aumento das pressões contra os funcionários para quebrar regras e se entregar a práticas questionáveis. A globalização tem impactado neste sentido de várias formas em função do modo de economia vigente, baseado no toyotismo[1], gerando principalmente um desemprego estrutural em que a demanda por trabalhadores é instável, e, exige-se um perfil flexível para trabalhos temporários ou part-time (Rudiger, 1999).
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) tem criticado a terceirização predatória por ser prejudicial a todos em longo prazo apesar dos resultados alcançados em curto prazo, isto é, a falta de investimento ou desenvolvimento das pessoas em trabalhos terceirizados gera uma mão de obra desqualificada na região em contratações futuras (Rudiger, 1999).
A partir da investigação do impacto que indivíduos, grupos e estrutura têm sobre o comportamento dentro das organizações, o comportamento organizacional é um campo de estudos que “utiliza este conhecimento para melhorar a eficácia organizacional” (Robbins, 2005).  

As pessoas reconhecem a necessidade de tomar decisões com base na racionalidade. Robbins (2005) cita um modelo racional com seis passos e um modelo criativo com três componentes, no entanto coloca que as decisões na prática são caracterizadas por uma limitação de racionalidade, por vieses comuns e pela intuição.
Enquanto comportamento envolve um conjunto de ações relativamente permanentes que caracterizam uma pessoa, a atitude é uma afirmação avaliadora ou como se sente a respeito de algo (Robbins, 2005). 
De forma semelhante, as pessoas mudam o que dizem para não contradizer suas próprias ações, porque geralmente buscam consistências em suas atitudes e entre suas atitudes e seus comportamentos (Robbins, 2005). Para o autor, as pessoas buscam essas consistências através da mudança de atitude, de comportamento ou através de uma racionalização capaz de justificar a discrepância.
Segundo a teoria da dissonância cognitiva as pessoas buscam reduzir essas discrepâncias (dissonâncias) porque sentem um desconforto ao perceberem incompatibilidades entre suas atitudes ou entre suas atitudes e seus comportamentos, e então procuram uma estabilidade (por uma racionalização ou mudança de atitude ou de comportamento) em que seja possível conviver com um mínimo possível de dissonância (Robbins, 2005)
No entanto certos fatores moderadores podem influenciar a motivação das pessoas para diminuir a dissonância, de modo a não preferirem buscar consistência quando os fatos que causam essa discrepância são de pouca importância (talvez por um conhecimento limitado a respeito do assunto) ou gerados por imposição externa (Robbins, 2005).

Independente do conceito de ética, se um campo de estudo ou se princípios básicos de moralidade entre sociedades e civilizações, as pessoas geralmente entendem que uma ação ou pensamento é ético quando é correto, justo, agradável, bom, consistente ou verdadeiro. O conceito de ética está ligado então à idéia de justiça.

“A justiça não é uma virtude como as outras. Ela é o horizonte de todas e a lei de sua coexistência” (Comte-Sponville, 1995, p. 70).
Algo não é justo porque gera bem-estar ou eficácia, e, independe se gera felicidade na maioria (Comte-Sponville, 1995). O autor então completa que a felicidade e mesmo o amor não valeriam absolutamente nada sem a justiça, não seriam mais que interesses de egoísmo ou conforto. Por isso ser injusto por amor não deixa de ser injusto.
Justiça também não é lei, porque se esta fosse injusta, justo seria combatê-la, tanto que a lei precisa da força (do Estado) para ser legítima ou reconhecida, enquanto a outra é discutível (Comte-Sponville, 1995).
Comte-Sponville (1995) levanta, então, a necessidade de um critério, mesmo que aproximado, e um princípio, mesmo que incerto, para não confundir justiça com direitos como uma legislação ou princípios de uma constituição ou com um fato como o resultado eficaz ou abrangente de uma ação. Justiça é valor.
No levantamento do estudo da ética, especialmente da idéia de justiça, na história da filosofia Comte-Sponville (1995) entende que a “justiça é a igualdade, mas a igualdade dos direitos, sejam eles juridicamente estabelecidos ou moralmente exigidos.”, entendida pelo autor de outra forma através de uma regra de ouro da justiça:

Em todo contrato e em toda troca ponha-se no lugar do outro, mas com tudo o que você sabe e, supondo-se tão livre das necessidades quanto um homem pode sê-lo, veja-se, no lugar dele, você aprovaria essa troca ou esse contrato. (MONTAIGNE apud Comte-Sponville, 1995, p. 79).

A revolução em Kant estava exatamente em estabelecer a ética, especialmente a idéia de justiça, sem um fundamento de validade em conceitos externos como leis ou resultados, mas como colocado por Salgado (2005) em princípios próprios como a razão e o dever: “É justa toda ação que permite, ou cuja máxima permite, que a livre vontade de qualquer um coexista com a liberdade de qualquer outro, segunda uma lei universal” (KANT apud Comte-Sponville, 1995, p. 79).
A justiça nem é egoísmo e nem altruísmo, mas a equivalência dos direitos na convivência entre as pessoas ou a moderação para não permitir as pessoas se entregarem a uma ou outra virtude, por isto amar é difícil, porque “só sabemos amar, quando muito, nossos próximos” (Comte-Sponville, 1995, p. 83).

Todas as práticas que as organizações têm adotadas para a melhoria do comportamento enfatizam a cobrança e a importância do que deve ser feito, do que é correto, do certo (dever ético) e a fiscalização e o combate ao comportamento antiético. No entanto não ensinam a pensar eticamente, e quando o fazem, geram mais confusão.
Esse ensino é importante para estabelecer um padrão ético consistente. Evidências sugerem que as pessoas com altos princípios éticos serão fiéis a eles, apesar da orientação em sentido contrário que possa ser dada pelas atitudes dos outros ou pelas normas da organização (Robbins, 2005).
As pessoas possuem valores. Os valores representam convicções básicas a respeito de algo, contêm um elemento de julgamento, baseado naquilo que o indivíduo acredita ser correto, bom ou desejável e geralmente influenciam o comportamento encobrindo a objetividade e a racionalidade (Robbins, 2005).
Robbins (2005) possui um valor a respeito do como embasar uma escolha ética. Segundo ele “um indivíduo pode utilizar três critérios diferentes para fazer uma escolha com ética” dentro de um processo decisório: um critério seria o utilitarista que procuraria “proporcionar o melhor para o maior número”, sendo dominante no mundo dos negócios e coerente com os objetivos de eficiência, produtividade e alta lucratividade; outro critério seria dos direitos em que as decisões seriam coerentes com os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos, prescritos normalmente em documentos constitucionais; e um critério seria o da justiça exigindo regras justas e imparciais, “de maneira que exista uma distribuição equitativa de custos e benefícios”.
No entanto esses critérios carecem de embasamento filosófico, campo de estudo não encontrado nas ciências de apoio do comportamento organizacional (Robbins, 2005).
Não seria uma inconsistência fundamentar os critérios de validação na observação do comportamento humano nas organizações sem considerar o estudo já feito ao longo da história da humanidade através da filosofia? 
Seria possível, por exemplo, perceber, como o fez Comte-Sponville (1995), que o utilitarismo e os direitos podem ser formas injustas de preferência ou obediência?


O utilitarismo não poderia incentivar comportamentos antiéticos numa equipe quando diminuíssem sua cidadania organizacional para com os outros a fim de alcançar “melhores resultados” do que outros grupos?
Com a crescente adoção da estrutura baseada em equipes, mais e mais pessoas chegarão a acordos de como se comportarem ao alcançarem níveis maiores de maturidade do grupo, e seria preocupante se um maior número de pessoas passarem a convergir ou aprender valores e atitudes antiéticas como normais.
O utilitarismo não poderia também incentivar a corrupção por ser uma forma de racionalização para alimentar uma grande dissonância cognitiva?
Normalmente no ambiente político a corrupção se caracteriza por uma forma de preferência, de amor parcial. Neste sentido, o político corrupto procura privilegiar ou ser útil para com a própria família, os mais próximos, os mais amados. O coronelismo era assim: uma determinada região controlada politicamente por uma família. É assim ainda em grande parte do Brasil. E tais políticos, ou melhor, servidores públicos continuam nessas práticas imorais porque geralmente racionalizam com base na lógica popular do menor prejuízo e do amor: “Estou tirando apenas uma parte pequena por amor a outras pessoas, minha família”.
No cotidiano não é diferente. Muitos hotéis e motéis já incorporam nas diárias os prejuízos de toalhas roubadas pela prática comum das pessoas em roubar toalhas. E essas pessoas não praticam necessariamente grandes roubos ou crimes porque acreditam no valor da justiça (atitude), de fazer o bem às pessoas (comportamento), no entanto em outras situações quando o interesse (lembrança de um romance) ou o resultado (prejuízo insignificante) são mais fortes, a discrepância é mantida por um tipo de racionalização baseada num valor distorcido de justiça ou de um critério ético inconsistente.
Um exemplo prático de perceber a dissonância cognitiva nas pessoas quando utilizam o utilitarismo como critério antiético é através de uma seqüência de questionamentos para saber as atitudes a respeito de certos valores e situações. Por exemplo, primeiro pergunte se a pessoa acredita que devemos sempre fazer o que é certo e julgar sem parcialidade, ser justo. Se a pessoa responder sim então mostra uma atitude positiva para com o valor de justiça. Em seguida pergunte se julgaria correto delatar alguém cometendo um adultério. Normalmente vão responder que depende e na resposta negativa haverá uma racionalização (de utilitarismo) para justificar a prática injusta: “O que vou ganhar com isto?”, “Nem o conheço!”, “Deve ser um relacionamento aberto.”, “Vou estragar a felicidade de dois”, entre outros exemplos de declarações, quando são realmente francas, porque ainda existem os fatores moderadores.

[1] O toyotismo tem como características a descentralização da atividade empresarial, aumento do número de trabalhadores periféricos, trabalhadores contratados por prazo determinado ou através de empresas interpostas e descentralização produtiva.


COMTE-SPONVILLE, André. Pequeno tratado das grandes virtudes. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

ROBBINS, Stephen P., Comportamento Organizacional.  São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2005.

RUDIGER, Dorothee Susanne. O contrato coletivo no direito privado: contribuições do direito do trabalho para a teoria geral do contrato. São Paulo: LTr, 1999.

SALGADO, Joaquim Carlos. A idéia de justiça em Kant: seu fundamento na liberdade e na igualdade. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1995.

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