Insegurança que cega e derruba

Em alguns momentos agimos como os fariseus e escribas que confrontaram Jesus para apedrejar uma mulher adúltera, principalmente quando estamos numa posição de responsáveis perante o que o outro faz. É assim no estilo de gestão organizacional, nas igrejas e até com pessoas mais próximas como colegas de trabalho e parceiros de relacionamento.
"E pela manhã cedo tornou para o templo, e todo o povo vinha ter com ele, e, assentando-se, os ensinava. E os escribas e fariseus trouxeram-lhe uma mulher apanhada em adultério; E, pondo-a no meio, disseram-lhe: Mestre, esta mulher foi apanhada, no próprio ato, adulterando. E na lei nos mandou Moisés que as tais sejam apedrejadas. Tu, pois, que dizes? Isto diziam eles, tentando-o, para que tivessem de que o acusar. (...) E, como insistissem, perguntando-lhe, endireitou-se, e disse-lhes: Aquele que de entre vós está sem pecado seja o primeiro que atire pedra contra ela. (...) Quando ouviram isto, redargüidos da consciência, saíram um a um, a começar pelos mais velhos até aos últimos; ficou só Jesus e a mulher que estava no meio. E, endireitando-se Jesus, e não vendo ninguém mais do que a mulher, disse-lhe: Mulher, onde estão aqueles teus acusadores? Ninguém te condenou? E ela disse: Ninguém, Senhor. E disse-lhe Jesus: Nem eu também te condeno; vai-te, e não peques mais." (João 8:2-11).
A insegurança, frente às habilidades do outro, cresceu de tal forma que passaram a errar no próprio sistema que estavam acostumados a (acreditavam) controlar. Jesus era o objeto de insegurança deles, o item de nebulosidade no funcionamento do sistema e se algo não fosse feito logo poderiam perder o controle. Fizeram. E erraram feio.
O episódio contém um trecho bíblico que imortalizou muitas sabedorias populares: "Aquele que de entre vós está sem pecado seja o primeiro que atire pedra contra ela" (João 8.7). A mais conhecida é a expressão “errar é humano”, cujo entendimento geral é "porque, ainda, não somos perfeitos e nem temos autoridade moral para atirarmos pedras em quem quer que seja". Por causa disso muitos concluem que a lei de Moisés no Antigo Testamento deixava as pessoas legalistas e Jesus trouxe algo novo como o evangelho para mudar toda essa situação.
No entanto Jesus estava confirmando a lei mosaica sem esquecer os mínimos “detalhes”. Bahnsen [1] nesse sentido esclarece tal entendimento não apenas com o contexto como com a exegese da expressão “aquele que não pecou”.
Segundo Bahnsen os fariseus trouxeram a adúltera diante de Jesus para colocá-lo num dilema legal: encurralá-lo entre sustentar a lei do Antigo Testamento e se submeter à lei Romana que reservava para si o direito único de aplicar a pena de morte. Ele então completa: “Contudo, os escribas foram os que terminaram sendo pegos pela lastimável ignorância sobre a lei de Deus que tinham. Eles vieram para testar a Jesus, mas como em outras ocasiões, eles não conheciam a lei".
Eles não conheciam (mais) dois pontos da lei:
  • Deuteronômio 19:15, em que Deus requer, na acusação de crimes capitais, que as testemunhas que trazem a acusação contra uma pessoa sejam inocentes desse mesmo crime;
  • Deuteronômio 17:7, em que no evento da pena de morte, os acusadores tinham que lançar as primeiras pedras.

Por fim, Bahnsen explica que a expressão “aquele que não pecou” refere-se “àquele que não cometeu o pecado particular de adultério; a palavra é usada para denotar inocência de um tipo individual de pecado (ao invés de todos os pecados)”.
“Os acusadores da mulher, então, ou não eram testemunhas ou não estavam livres de adultério; assim, Cristo a despede com a admoestação para não pecar mais. A lei protege os direitos dos indivíduos acusados e demanda que o caso contra eles seja sólido e legal, antes de privá-los de suas vidas” (Greg L. Bahnsen).
Uma vez tendo o entendimento correto da passagem, pode-se tirar a real lição e identificar três fases daquela insegurança:
  • Crescimento da insegurança;
  • Tentativa de retomar o controle;
  • Queda pela cegueira.

Essas fases podem acontecer com qualquer um quando aparece aquele estagiário ou colega de trabalho muito habilidoso sob seus cuidados ou responsabilidade, aquele aluno que é “professor” de outros nas horas vagas, aqueles talentos de sua empresa conflitando com o estilo de gestão organizacional comando-e-controle, com alguém que namora, entre outros semelhantes.
Em breve sobre esse estilo de comando-e-controle que não é apenas organizacional, mas próprio de muitas pessoas e sua relação com essas três fases.
[1] Greg L. Bahnsen. Trad. Felipe Sabino de Araújo Neto. Teonomia e a Mulher Adúltera. Março, 2008. www.monergismo.com

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