O que espera para depois? Fim, evolução ou revolução?

O que você espera da “vida pós-morte”? É apenas uma continuidade do que vivemos? Se sim, então qual a necessidade da morte? Se não, vamos esquecer tudo? Se sim, então qual a necessidade de viver hoje?

Muitas perguntas e respostas podem surgir desse tema, do qual só temos crenças. De qualquer forma, é possível fazer uma breve divisão da problemática em fim, evolução e revolução. Isso me ocorreu hoje quando por acaso encontrei a Bíblia aberta em 1 Coríntios 15 e não parei mais de escrever. Espero ser claro.
 
Existe a crença de que a morte é o fim. Acabou a existência. Não volta mais. Viramos adubo, como muito presente na arte de Augusto dos Anjos. 
VERSOS ÍNTIMOS
Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!


Não só ele. Algumas pessoas de uma comunidade cristã primitiva também pensavam assim, chegando ao ponto do apóstolo Paulo fazer a seguinte declaração:

"Ora, se se prega que Cristo ressuscitou dentre os mortos, como dizem alguns dentre vós que não há ressurreição de mortos? E, se não há ressurreição de mortos, também Cristo não ressuscitou. E, se Cristo não ressuscitou, logo é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé. (...) E também os que dormiram em Cristo estão perdidos. Se esperamos em Cristo só nesta vida, somos os mais miseráveis de todos os homens." (1 Co 12-19)

Existe a crença de que a morte é um dos marcos de um processo evolutivo. A cada vida e morte, a pessoa avança um passo de sua evolução moral e espiritual, se souber aproveitar as oportunidades. A Teoria da Evolução de Charles Darwin foi bem aproveitada nesse sentido. Mas Platão já falava do problema da matéria e da importância do conhecimento na purificação da alma. Alan Kardec, codificador da Doutrina Espírita, com tudo isso procurou explicar a existência de um mundo espiritual paralelo ao mundo terreno. No Brasil o expoente espírita mais conhecido seria Chico Xavier. E as religiões orientais basicamente são fundamentadas nessa continuidade evolutiva da humanidade, com exceção de algumas baseadas na idéia de um eterno retorno, após certas evoluções.

E existe a crença de que a morte é um marco revolucionário. Não é apenas o fim de uma sociedade, de um modo de viver, mas de toda a estrutura responsável pelos relacionamentos das pessoas, seja com Deus, com outros ou com a natureza. É a garantia de que não haverá apenas a evolução de algumas pessoas ou sociedades enquanto outros sofrem de seus próprios males por ainda não saberem aproveitar as mesmas oportunidades ou experiências.

Mas Aristóteles já discordava de Platão. Para ele o problema não era a falta de conhecimento ou experiência. Era o arbítrio, a vontade. Mesmo o homem sabendo o bem que deveria saber, não o fazia, ou o mal que não deveria fazer, fazia. Ora, não é diferente do relato do apóstolo Paulo:

“Não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, esse eu faço." (Romanos 7:19)

Dessa forma, por mais purificada ou evoluída que fosse a alma (ao retornar ao corpo), enfrentaria o mesmo conflito e possibilidade de novamente praticar males que antes havia aprendido a não fazer, por causa daquela vontade corruptível. Blaise Pascal já falava que o homem não era persuadido pela racionalidade, apesar das pessoas acreditarem assim, mas pelo espírito.

Jesus não enfrentou esse conflito. Ele gostava de um bom vinho, de festas, não vivia enclausurado ou afastado dos “pecadores”. E não pecou. Não porque possuía uma alma extremamente evoluída ou pura que pudesse sobrepor aos desejos terrenos ou da matéria, mas encarnou uma natureza humana isenta de sua herança corruptível. Maria foi agraciada como a “barriga de aluguel”.

No cristianismo não é possível ter uma visão da vida pós-morte sem uma adequada compreensão da liberdade humana.

O Rev. Gildásio Reis, por exemplo, coloca que a “maioria dos nossos irmãos na fé diz acreditar no ‘Livre Arbítrio’, contudo a maioria não tem a menor idéia do que isto significa”. Ele então esclarece que “a vontade não é livre. Pelo contrário, ela é escrava, escrava do coração pervertido; escrava da natureza”. Não era diferente da observação de Aristóteles.

“Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso; quem o conhecerá?” (Jr. 17:9)

Agostinho apresenta uma visão histórica da liberdade humana em seu estado original, decaído, restaurado (hoje) e aperfeiçoado (após revolução). No primeiro estado o “homem, em seu estado de inocência, tinha a liberdade e o poder de querer e fazer aquilo que é bom e agradável a Deus, mas mudavelmente, de sorte que pudesse decair dessa liberdade e poder” (Confissão de Fé de Westminster).

Em outras palavras, quando um ser moral pratica o mal (a desobediência e não o erro pela falta de conhecimento), sua natureza perde o poder, a capacidade de não mais praticá-lo. E esse DNA é passado obviamente para seus descendentes. Lembra a “barriga de aluguel”? E essa visão não é diferente do seguinte relato de Paulo:

“Mas alguém dirá: Como ressuscitarão os mortos? E com que corpo virão? Insensato! o que tu semeias não é vivificado, se primeiro não morrer. E, quando semeias, não semeias o corpo que há de nascer, mas o simples grão, como de trigo, ou de outra qualquer semente. Mas Deus dá-lhe o corpo como quer, e a cada semente o seu próprio corpo. Nem toda a carne é uma mesma carne, mas uma é a carne dos homens, e outra a carne dos animais, e outra a dos peixes e outra a das aves. E há corpos celestes e corpos terrestres, mas uma é a glória dos celestes e outra a dos terrestres. (...) Assim também a ressurreição dentre os mortos. Semeia-se o corpo em corrupção; ressuscitará em incorrupção. Semeia-se em ignomínia, ressuscitará em glória. Semeia-se em fraqueza, ressuscitará com vigor. Semeia-se corpo natural, ressuscitará corpo espiritual. Se há corpo natural, há também corpo espiritual. Assim está também escrito: O primeiro homem, Adão, foi feito em alma vivente; o último Adão em espírito vivificante. Mas não é primeiro o espiritual, senão o natural; depois o espiritual. O primeiro homem, da terra, é terreno; o segundo homem, o Senhor, é do céu. Qual o terreno, tais são também os terrestres; e, qual o celestial, tais também os celestiais. (...) Porque convém que isto que é corruptível se revista da incorruptibilidade, e que isto que é mortal se revista da imortalidade. E, quando isto que é corruptível se revestir da incorruptibilidade, e isto que é mortal se revestir da imortalidade, então cumprir-se-á a palavra que está escrita: Tragada foi a morte na vitória." (1 Co 35-54)

Veja que o mal é um problema decorrente da liberdade decaída do homem. Não há dualismo eterno entre o mal e o bem, entre Deus e o diabo, nem uma evolução por causa do conflito ou equilíbrio de ambos.

Jesus, não maculado pela natureza humana corruptível, aprendeu, brincou, chorou, bebeu vinho, festejou e inaugurou uma nova natureza humana sem corrupção e limitações físicas que temos hoje. Por isso “ainda não se manifestou o que havemos de ser” (1 Jo 3:2).

Há quem diga (alguns teólogos da Reforma) que o “conhecimento do bem e do mal” foi possível aos seres morais (homens e anjos), “a maçã foi mordida”, para que fosse construída uma memória do quanto o mal é prejudicial a todos. E dessa forma, nenhum ser moral com liberdade incorruptível estaria mais tentado ou se sentiria menos feliz, completo, satisfeito em não optar pelo mal.

Por isso, Jesus em condições piores que Adão, num deserto e não num jardim, sozinho e não com uma companheira, com sede e fome e não com fartura de alimentos ao redor, ainda assim, não pecou.
 
Qualquer visão da vida pós-morte nunca será completa, contudo, pelo menos não será chata, miúda, limitada, fraca ou repetida para um cristão.

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