Recuperando a esperança durante o luto

Típica imagem de uma viúva negra

Há pouco estava com um amigo que desabafava sobre a perda de sua esposa num acidente trágico há poucos dias. Ela também era a irmã da minha esposa e como uma para mim. Meu filho era seu afilhado e éramos todos muito próximos e felizes.

De vez em quando alguém pergunta como estão seus pais e a resposta é sempre a mesma: adaptando-se a uma vida sem um ente querido e amado, um dia de cada vez.

A dor é grande. O sofrimento, insuportável, como se o coração pudesse parar a qualquer momento.

Mas o luto não precisa ser uma experiência obscura, sem saída, como se fosse o fim de tudo. E isso não depende de explicações ou tratados sobre a vida, a morte, Deus, o acaso durante o luto... Nem o farei aqui! Depende do quanto colocamos o "coração nas mãos".

Se o conhecimento realmente fosse crucial, Jesus não teria chorado, teria explicado tudo. Nada falou, apenas "chorou com os que choram":
"Jesus pois, quando a viu chorar, e também chorando os judeus que com ela vinham, moveu-se muito em espírito, e perturbou-se. Jesus chorou. Disseram, pois, os judeus: Vede como o amava." João 11:33-36.


Como bem disse José Carlos Bermejo, o luto é um indicativo do amor. Jesus não chorou porque era fraco, um ser humano ou divino limitado ou falho. Ele estava mostrando um amor solidário, grande empatia, às pessoas ali presentes.

E dessa forma, deixou um modelo, assim como o Pai Nosso, de um luto sadio, vivendo-o pessoalmente.

A dor simplesmente não veio pela falta de compreensão da perda trágica. C. S. Lewis passou uma grande agonia e desespero com a morte de sua amada, desabafando tudo em seu livro: "A anatomia de uma dor". Ele conhecia muito bem a teologia cristã.

Tudo isso mostra o quanto o sofrimento não decorre da ignorância quanto ao fato da morte ser natural e inevitável a todos nem tão pouco pela falta de entendimento de sua causa particular.

E ainda assim, muitos se apresentam com explicações filosóficas, teológicas ou apenas populares (com boa intenção) para consolar os que sofrem, porém, desatentos quanto ao que eles (mais) precisam nesse momento: um abraço verdadeiro, alguém para escutar seu choro, sua revolta, seus questionamentos, sua dor e o calor da solidariedade num momento tão frio, assim como fez Jesus.

Deixe chorar, abrace o quanto puder e ouça com respeito, sem julgar caso apareçam declarações absurdas aos seus valores e crenças. Nesse momento inicial, tudo que é atípico é normal. Não a diga para esquecer ou para não ficar triste. Torne o luto mais humano.

Como bem coloca Bermejo, o choro "relaxa, desafoga, produz descanso e tranquilidade de espírito"; "abraço e carícia estão repletos de significado solidário, de comunicação generosa e livre"; a escuta verdadeira permite a quem não sabe o que dizer nem ter o que dar, dar a si mesmo para diminuir o sofrimento do outro.

Ajude o quanto puder nas questões operacionais, porque para a sociedade ela ainda continua viva, com dívidas e outras questões para serem quitadas ou encerradas.

Logo, cuidado ao aconselhar com palavras como "melhor assim", "é o destino", "é a vontade de Deus", "uma provação" ou "tempo cura tudo". Antes dessas palavras, (muitas vezes, melhor sem elas) "é preciso respeitar a dignidade de quem sofre, tomando atitudes que humanizem sua experiência" (BERMEJO).

Uma atitude sadia é reconhecer a dor. Não apenas aceitar sua existência, mas identificar sentimentos, ações, pensamentos ou sintomas que possam tirar a dignidade ou sanidade do luto, bem como a solidariedade dos consoladores e a esperança de viver e aprender com a própria perda.

Todo esse aprendizado é necessário parar não cair na armadilha da viúva negra. 

Segundo Nelson Salazar Marques, para a "mulher portuguesa perder marido era perder tudo. O marido era o seu mundo, o ar que respirava, o cérebro pelo qual pensava. Marido novo não havia. E então se empacotavam dentro daquelas roupagens negras e se consumiam entre o trabalho duro e as lembranças do falecido. Marido morto era marido adorado, virava santo." ("As Viúvas Negras do Macuco").

E não havia como ser diferente para a mulher na Idade Média: a "linhagem beneficiava apenas componentes do sexo masculino, e a herança só era passada para o primogênito, isso como forma de evitar a divisão dos bens da família. Quando a mulher se casava passava a fazer parte da família do esposo. Nessa nova família, quando viúva, não tinha direito à herança." ("A Mulher na Idade Média").



E essa cultura cruel produziu valores distorcidos até hoje. Isso é visível quando pessoas em luto se sentem traidores do ente amado, falta de respeito ou culpados por pensar no futuro, em refazer a vida, em trabalhar normalmente, começar novas relações afetivas ou relembrá-la em datas comemorativas como o Natal. Como diz Bermejo, "parece que investir energia em sair do luto ou restabelecer certa normalidade no cotidiano suporia falta de respeito ao defunto, como se não levasse muito a sério a pessoa que perdeu".

É comum uma culpa por não ter tido "amo você", quando na verdade o disse de várias formas: quando ajudou a vestiu aquela roupa que não conseguia, cuidou quando estava com febre, fez aquele café, enfim, vários gestos de amor em pequenos detalhes. É preciso olhar além do paradigma das flores e dos cartões.

"Na realidade, não se deve esquecer a pessoa amada, nem a manter no mesmo lugar vital. O objetivo não é esse, mas sim reestruturar o tipo de vínculo e a forma de relacionar-se com ela, tomando consciência realista daquilo a que se deve realmente renunciar (a presença física e todas as suas implicações) e ao que não (o significado no coração e na própria história)" (BERMEJO). E ele acrescenta depois que essa tarefa pode ser particularmente a mais difícil para os pais e para os viúvos no processo do luto ao investir energia em novas relações.

Por isso, a mudança de vínculo não implica mudança de valor e a culpa pode ser utilizada inclusive de forma reparadora (em vez de gerar mais angústia e desassossego), procurando "tirar algum proveito até mesmo de uma situação tão adversa", pois "o que não foi ou deveria ter sido feito" pode ser "canalizado para impregnar as relações atuais ou futuras daqueles valores que agora são valorizados", como bem colocou o Bermejo e percebi anteriormente.

Assim a morte pode ser vivida de forma mais digna, sem culpa, vergonha ou pré-conceito, deixando assim tempo efetivamente curar.
 
Todos são passíveis de se tornar uma viúva negra, pois "tudo que amamos pode ser tirado de nós. O que não nos podem tirar é o poder de escolher que atitude assumir diante desses acontecimentos" (Victor Frankl, psiquiatra judeu que esteve nos campos de concentração nazistas).

Essas atitudes podem se tornam mais frutíferas ainda quando a fé é realmente um presente para quem conhece bem, como experimentou C S Lewis: "Deus certamente não estava fazendo uma experiência com minha fé nem com meu amor para provar sua qualidade. Ele já os conhecia muito bem. Eu é que não".

VÍDEO RECOMENDADO



LIVROS RECOMENDADOS

LEWIS, C. S. A anatomia de uma dor - Um luto em observação. São Paulo: Vida.

BERMEJO, José Carlos. Estou de luto - Reconhecer a dor para recuperar a esperança. São Paulo: Paulinas, 2008.

FILMES RECOMENDADOS


PS Eu Te Amo.

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