Paradigma do grego e do judeu


1.

Muitas pessoas seguem padrões de comportamento e de pensamento (paradigmas). Isto por exemplo é natural na infância. O problema é quando numa fase adulta a pessoa não exerce um senso crítico (convicção) de padrões seguidos. Há a narração de uma experiência para ilustrar este problema.


Um grupo de cientistas colocou cinco macacos numa sala de testes. Bem ao centro, havia uma escada e, sobre ela, um cacho de bananas. Quando um macaco subia na escada para pegar as bananas, um jato de água fria era acionado em cima dos que estavam no chão. Depois de certo tempo, quando um macaco ia subir a escada, os outros o pegavam e enchiam de pancadas. Com mais algum tempo, nenhum macaco subia mais a escada, apesar da tentação das bananas.

Então os cientistas substituíram um dos macacos por um novo. A primeira coisa que ele fez foi subir a escada, dela sendo retirado pelos outros, que o surraram. Depois de algumas surras, o novo integrante do grupo não subia mais a escada. Um segundo macaco veterano foi substituído e o mesmo ocorreu, tendo o primeiro substituto participado com entusiasmo na surra ao novato.

Um terceiro foi trocado e o mesmo ocorreu. Um quarto, e afinal o último dos veteranos, foi substituído. Os cientistas, então, ficaram com um grupo de cinco macacos que mesmo nunca tendo tomado um banho frio, continuavam batendo naquele que tentasse pegar as bananas.

O objetivo deste “paradigma dos macacos” é criticar a força do padrão (maioria) no pensamento das pessoas, por conseguinte em seu comportamento. Esta é uma falácia do apelo à força: não há apoio lógico (racional) para seguir o padrão, porém fatores psicológicos. Podemos então encontrar a aplicação deste paradigma em várias classes de pessoas: religiosos, não-religiosos, políticos, cientistas ou profissionais. São os maria-vai-com-as-outras.

E temos também os “do-contra”, geralmente aqueles que preferem seguir contra qualquer maioria de seu contexto de vivência. Esta preferência também não está na lógica, mas em fatores psicológicos como, por exemplo, medo ao próprio padrão por questão histórica (erros do passado), desconfiança, destaque (demonstração de sabedoria) ou a falta de convicção ou ignorância do outro.

A crítica deve ser feita em pessoas sem convicção e não no padrão necessariamente. O padrão não está incorreto porque existem pessoas que o seguem sem convicção. A ausência de convicção destes na verdade irá afetar psicologicamente a propagação do padrão: podendo diminuir sob os que buscam convicção e aumentar sob os que não apresentam senso crítico (“fé cega”).

2.

Muitos não-religiosos (ateus ou céticos) usam o “paradigma dos macacos” para criticar os religiosos (cristãos) por acreditarem – e viverem dela – na existência de um ser superior (Deus) sem um “embasamento sólido”, um tipo de comprovação. Em contrapartida, religiosos replicam a falta de um mesmo embasamento para afirmação da não-existência deste ser. E este duelo antigo parece sem fim.

O duelo é sem fim porque as duas críticas são falaciosas – mais conhecidas como apelo à ignorância – pois colocam a falta de prova do outro como uma prova para si. Porém não deixam de influenciar psicologicamente. Uma pessoa criada num ambiente não-religioso ou anti-religioso poderá ser mais influenciada a continuar seguindo o mesmo comportamento principalmente quando souber que não há a comprovação do ser superior. De forma semelhante ocorre para o religioso.

Estes dois grupos antagônicos vivem com a esperança de um dia a comprovação da (in) existência de Deus ocorrer. E assim poderem resolver este grande mistério da vida, além de outros: diabo, mal, anjos, pós-morte, eternidade, infinito.

É possível haver algum tipo de comprovação universal? Não posso também alimentar tal esperança?

O apóstolo Paulo (dois mil anos atrás) conviveu com um grupo semelhante (alimentando tal esperança) na cidade de Coríntios: os gregos.

Com a filosofia os gregos passaram a conhecer os fenômenos da realidade (ações da natureza, do homem e da sociedade) em vez de esperar revelações dos deuses do Olimpo. Através de estudo racional (lógico) e sistemático da realidade (matemática, biologia, física, política), “forças” necessárias e universais (leis naturais) não mais pertenciam a um conhecimento misterioso e secreto. Era a libertação aos mitos.

O entendimento destas forças impessoais – em contrapartida às forças pessoais, deuses e semi-deuses – gerou um maior controle da natureza (agricultura, logística de guerra, saúde pública). E tal controle aflorou em muitos a idéia de controlar a realidade no todo e não mais em parte. Conhecer a causa de tudo, controlar o futuro e vencer a morte. A grande esperança era conhecer o que eles chamavam de Logos (a força, o verbo, a ação, impessoal, geradora de toda a realidade). Não mais se sustentava, psicologicamente, a idéia de um algum deus envolvido na construção da realidade. E assim em suas sabedorias passaram a buscar as respostas para os mistérios da vida, de geração em geração.

Ora, se uma parcela da realidade era conhecida, permitindo uma mudança a seu favor, por que não se poderia conhecer o todo para sobressair sobre a morte?

Também na cidade de Coríntios havia um outro grupo conhecido por Paulo: os judeus.

Os judeus não tinham problemas em acreditar em forças pessoais no controle da realidade. Para eles, Jeová (Deus) era Soberano sobre todas as coisas, inclusive sobre a sorte do povo eleito. Eles tinham a ser favor uma história repleta de experiências fantásticas (as pragas do Egito, o cumprimento de várias profecias e vários milagres).

Mas os sofrimentos eram muitos e constantes. E a tranqüilidade perante a morte diminuía. Ansiavam ardentemente, logo, pelo Messias prometido, que traria a paz eterna ao povo eleito e o castigo divino aos descrentes gentios (não-judeus). Seria, portanto um ser poderoso, acima de qualquer governo na Terra.

A adversidade duradoura não admitia psicologicamente o pensamento de um Messias menos do que Todo Poderoso ao aparecer. Pois só assim seria capaz de dar segurança perante os injustos e a morte. Esta influência psicológica fez os judeus terem uma interpretação estreita dos sinais e milagres.


“porque surgirão falsos cristos e falsos profetas operando grandes sinais e prodígios para enganar, se possível, os próprios eleitos” (Mateus 24.24)

Paulo então oferece uma resposta cuja rejeição foi grande devido ao paradigma vivido por eles: “Porque tanto os judeus pedem sinais, como os gregos buscam sabedoria, mas nós pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os gentios” (I Coríntios 1.22, 23).

Era loucura (irracional) para um grego voltar a pensar na idéia de uma pessoalidade acima dos mistérios da vida. Não tinham embasamento racional, lógico para tal rejeição, pois ainda não dominavam o conhecimento de toda a realidade, mas preferiram continuar esperando na filosofia, pois Paulo nem se sequer apresentou qualquer comprovação filosófica ou cognitiva (concebível ao pensamento humano). Este apelo à ignorância era suficiente.

Então devo acreditar numa força com vontade própria (personalidade) e retroceder para antes dos gregos?

Era escândalo (vergonhoso) para um judeu pensar na idéia de depositar toda a sua esperança num Deus homem, fraco, maltratado e morto por autoridades terrenas. Mas não perceberam nesta fraqueza (um sinal tido como ruim, sem qualquer benefício aparente) o cumprimento das profecias de seus próprios escritos sagrados na pessoa de Jesus. Puseram de lado a convicção e passaram a apenas enxergar o poder excitante ou revelador dos sinais, dos milagres ou das experiências sobrenaturais. Como Paulo não apresentou qualquer comprovação de poder do Messias esperado para aquele momento, este apelo à fraqueza era suficiente.

Então devo ignorar as experiências espirituais, que vivi ou conheci de outros, mesmo trazendo solução a problemas atuais?

3.

E como “Cristo crucificado” irá resolver os mistérios da vida? Pela fé. Não uma fé irracional, não-racional ou cega. Então uma “fé científica”? Também não.

O tempo passou e a filosofia se tornou pessimista. O homem moderno não conseguira alcançar os mistérios do conhecimento. Pior, um grande desespero foi gerado na modernidade. Muitos passaram a procurar respostas além do científico, racional e do lógico (sem poder embasar suas soluções de forma racional ou lógica) com os expoentes da filosofia existencialista. A razão havia morrido. Quando as pessoas hoje depositam a sua esperança na filosofia para descobrir os mistérios da vida retrocedem na história da própria filosofia. Talvez a simpatia de alguns pela filosofia clássica se dê pela identificação com os gregos.

E com o passar do tempo, as ciências voltaram ao seu lugar. Antes da morte da razão com o homem moderno, havia uma grande confiança nas ciências. Eram popularmente conhecidas como os instrumentos da verdade. Tanto que religiões e teologias da época foram desenvolvidas com o fim de mostrar uma “fé científica”. Porém com todo o desenvolvimento tecnológico, as ciências se limitavam a parcelas de uma realidade finita e limitada. E não tinham como serem diferentes. Elas geram conhecimento, um conhecimento objetivo: universal e contínuo. Isto é, independente do tempo, a experiência científica quando repetida nas mesmas condições gerará o mesmo resultado, comprovando a sua hipótese. Mas isto só é possível porque estamos falando de um objeto controlável, finito, temporal à experiência.

Falando de tempo, vejamos o caso do “Deus cristão” segundo Agostinho, em que de forma nenhuma poderemos esperar uma experiência científica. Não estamos mais falando de uma parcela da realidade. Talvez nem da realidade. Não é um objeto finito, temporal, controlado e “existente” (como nós existimos). Ele “vive” na eternidade que não é o tempo dilatado, esticado ou infinito, mas a simultaneidade de todas as coisas:


“Nunca se acaba o que estava sendo pronunciado, nem se diz outra coisa para dar lugar a que tudo se possa dizer, mas tudo se diz simultaneamente e eternamente, se assim não fosse já haveria tempo e mudança e não verdadeira eternidade e verdadeira imortalidade” (Confissões).

O tempo então é uma concepção humana, segundo Agostinho. O tempo é psicológico, uma impressão do antes e do depois, o sentimento de presença das imagens que se sucedem, sucederam ou hão de suceder. Com isto, devemos ter em mente a incoerência em comparar a validade do conhecimento objetivo (caso do científico) com o do subjetivo (caso do religioso). Pois colocar a ciência para validar o conhecimento de um objeto fora de seu escopo (Deus) é extrapolar a esfera de competência da própria ciência e cair novamente no apelo à ignorância.

Qualquer experiência espiritual poderá gerar um conhecimento subjetivo, não menos verdadeiro que o científico, pois pessoalmente foi real, vivido, experimentado, contudo não há garantias de todos viverem da mesma experiência e obtendo os mesmos resultados.

4.

A problemática do paradigma do judeu e do grego não começa no objeto estudado, mas no próprio campo do conhecimento humano (problema epistemológico).


Em geometria há axiomas e teoremas. Um teorema antigo é o famoso teorema de Pitágoras: a soma dos quadrados dos outros dois lados de um triângulo retângulo equivale ao quadrado de sua hipotenusa. Esse teorema e todos os outros são deduzidos logicamente de uma certa série de axiomas. Mas os axiomas nunca são deduzidos. Eles são assumidos sem prova.

Há uma razão definida pela qual nem tudo pode ser deduzido. Se alguém tentar provar os axiomas da geometria, essa pessoa deve se dirigir para trás de prévias proposições. Se essas também devem ser deduzidas, então deve haver prévias proposições, e assim por diante ad infinitum. A partir do que se conclui: Se tudo deve ser demonstrado, nada por ser demonstrado, pois não haveria nenhum ponto de partida. Se você não pode começar, então certamente não pode terminar.

Todo sistema de teologia ou filosofia deve ter um ponto de partida. Positivitas Lógicos começam com a suposição não provada de que uma sentença não pode ter significado, a menos que ela possa ser testada pela sensação. Falar sem referência a algo que possa ser tocado, visto, sentido, e especialmente mensurado, é falar absurdo. Mas eles nunca deduziram esse princípio. É o axioma não-demonstrável deles. Pior ainda, ele é auto-contraditório, pois ele não foi visto, sentido, ou mensurado; portanto, ele é tão auto-condenado quanto absurdo.

Todo sistema deve começar em algum lugar, ele não pode começar antes de começar. Um naturalista corrige o princípio dos Positivistas Lógicos e faz com que ele diga que todo conhecimento é derivado da sensação. Isso não é absurdo, mas ainda é um axioma empiricamente não-verificável. Se ele não é auto-contraditório, ele é pelo menos sem justificação empírica. Outros argumentos contra o empirismo não precisam ser dados aqui: O ponto é que nenhum sistema pode deduzir seus axiomas. (Gordon Haddon Clark. Ateísmo).

Nem tudo pode ser visível (concebível ao conhecimento humano). A fé é uma oposição à visão e não à razão. A convicção faz uma oposição ao visível e não ao lógico.


“Ora, a fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não vêem.” (Hebreus 11.1).
“Porque andamos por fé, e não por vista” (II Coríntios 5.7).

Por outro lado, nem tudo é invisível. Crer é também pensar. Pensar na implicação dos axiomas cridos e na coerência de seu sistema de pensamento, de modo a não cometer uma prática incoerente com a própria crença. A fé não é cega por não haver uma “base sólida” (demonstração, comprovação, científica) da crença – o que seria inútil como já vimos – mas por seguir um paradigma de cujo sistema de pensamento não há convicção. Quem exerce a fé tem a responsabilidade de ser coerente com o concebível. Ora, podemos conceber uma mula-sem-cabeça em nossa mente e concluir ser uma fábula, porque biologicamente ela não poderia existir. Desta forma não há embasamento lógico para um grupo de pessoas passarem a acreditar que pode haver mulas-sem-cabeça vivendo na floresta.

É mais fácil ter fé nas coisas científicas. A proximidade diária aos resultados de seus experimentos nos dá uma maior segurança e não somos a priori julgados moralmente por eles. Esta influência psicológica faz a maioria das pessoas terem maior facilidade em viver um paradigma embasado no apelo à ignorância do problema epistemológico e passam a rejeitar outros conhecimentos não-científicos como se estes fossem menos ou não verdadeiros.

Na prática muitos rejeitam o que já vivem. A incoerência é comum no ser humano. Não fazemos cálculos astronômicos para se assegurar do movimento da Terra em torno do Sol. Escolhemos acreditar em quem as fez. Diariamente somos colocados diante de situações onde precisamos confiar sem provas. Uma pessoa ao acordar, sem antes ver o chão, levanta acreditando que o chão continua lá. Ela pode achar razoável esta crença segundo sua forma de pensar ou já está condicionada a agir assim.

Fé não é necessariamente religiosidade. É o ato humano de assumir ou escolher axiomas para deles desenvolver sistema de pensamento moral, religioso, filosófico ou científico, por conseguinte orientar sua prática.

5.

Paulo não precisou provar a sua fé em Cristo aos gregos pela “sabedoria” e aos judeus pelos “sinais”, pois caso contrário estaria concordando com a incoerência deles.

Paulo apenas pregou “Cristo crucificado” para quem quisesse escolher (pela fé) viver esta fé com a esperança de não se preocupar com os mistérios da vida.

Muitas pessoas anti-religiosas e religiosas vivem com o paradigma do grego e do judeu.


“não sejais meninos no juízo; na malícia, sim, sede crianças; quanto ao juízo, sede homens amadurecidos” (I Coríntios 14.20)

Comentários

Aislan Fernandes disse…
No novo episódio de Glee (terceiro da segunda temporada) novamente fica evidente a confusão na cabeça das pessoas, sejam ateus ou crentes, a respeito da existência de Deus.

Postagens mais visitadas deste blog

Leituras: Psicologia Cognitiva - Robert J. Sternberg

Ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ Λόγος, καὶ ὁ Λόγος ἦν πρὸς τὸν Θεόν, καὶ Θεὸς ἦν ὁ Λόγος. (Como Deus e não Deus?)

Tradução e comentários de Lucas 20:34-38 - os filhos deste e daquele mundo