Empatia como um caminho para humildade

  

É comum encontrar próximo a essas ilustrações frases atribuídas à Thomas Campbell como esta: "Compreender que há diferentes pontos de vista é o início da sabedoria". É possível também encontrar outros pensamentos como: "Não há verdades, apenas diferentes pontos de vista"; "Não adianta julgar o diferente, é preciso aceitá-lo". Enfim, ao se deparar com essas ilustrações, muitos pensamentos são desenvolvidos, porém nem sempre sólidos, por isso gostaria de oferecer algumas dicas em três passos.

Primeiro, pense um pouco a respeito da natureza do objeto julgado. O que está sendo julgado? Ele permite receber que tipo de valores nesse julgamento (sim ou não; 6 ou 9; necessário, verossímil ou provável)?

Segundo, pense um pouco sobre como se chega a esses valores. De forma objetiva ou subjetiva? Com demonstração ou retórica? A partir de um contexto ou posição?

Terceiro, depois, e somente depois, de pensar um pouco sobre o objeto julgado e a metodologia de julgamento, pense melhor as implicações do novo conhecimento, das quais se tenta tirar lições, o que normalmente os observadores afirmam.

Com essas dicas, não comece pelo terceiro passo, pela afirmação dos observadores, a razão de muitos pensamentos polêmicos, mas entenda a posição em que cada um se encontra (o segundo passo), em função do objeto só admitir dois valores, mas sempre o mesmo valor se de uma mesma posição (o primeiro passo). Assim a ilustração ensina a seguinte verdade: quem estiver do lado esquerdo, sempre verá o objeto com o mesmo valor, assim como quem estiver do lado direito, verá sempre outro valor. E isso não muda, se mudar de observador.

Dessa forma, não se pode afirmar, com essas ilustrações, que por haver diferentes pontos de vista, não há verdades, pois os observadores não estariam divergindo, mas complementando uma verdade.

Contudo esses observadores entenderam a verdade porque foram empáticos, um se colocando no lugar do outro, caminhando até a posição do outro, para conhecer a razão do valor diferente. E aqui está o problema de muita gente: por não querer trilhar esse caminho pela empatia, ou cai na soberba ou cai na baixeza, os quais são ausência de humildade. Ora, a humildade está exatamente entre esses dois, porque o primeiro é a sua falta, e o segundo é seu excesso [1].


Quanto menor o conhecimento das coisas, especialmente dos outros, maior o orgulho, pois é preciso "amar a verdade mais que a si mesmo", ou melhor, o "contrário da humildade é o orgulho, e todo orgulho é ignorância". Humildade é um "reconhecimento de tudo o que não somos", a "virtude do homem que sabe não ser Deus", "um saber antes de ser uma virtude", um conhecer-se adequadamente.

A soberba (orgulho) é a atitude de julgar-se autossuficiente ou completo em conhecimento, poder, riqueza, saúde, honra, justiça própria, entre outros, ignorando conhecer-se adequadamente, quando o objeto permite outros meios de extrair tais elementos (por isso a atenção ao primeiro passo).

Já a baixeza é a atitude da "falsa humildade", pois se "priva daquilo de que se é digno" ou evita uma ação elevada por acreditar ser incapaz, evitando, por exemplo, julgar, mesmo com conhecimento adequado.

Dessa forma, não se pode afirmar, com essas ilustrações, que por haver diferentes pontos de vista, não se pode julgar, pois compreendendo a razão (a verdade) de cada diferença, sabe-se quando o valor dado não é verdadeiro.

Ora, um observador estando do lado esquerdo não pode obter o valor 9 ou 3, nem estando do lado direito pode obter 6 ou 4, logo quem conhece essa verdade pode julgar aqueles que atribuem um valor diferente ao esperado em cada posição.

Obviamente o nosso mundo não é tão simples como essas ilustrações, entretanto a retórica pode auxiliar a não cair num relativismo (clique aqui para saber mais sobre isso).

E se não há tempo ou recurso suficiente para entender o outro, pelo menos seja tolerante (o qual vejo como um amor prático quando não há conhecimento suficiente do diferente), mas não hipócrita de boa vizinhança, simplesmente arbitrário ou segregador. 

Se for julgar, que seja com amor, humildade e sabedoria, mas talvez não seja fácil.

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[1] André Comte-Sponville. Pequeno Tratado das Grandes Virtudes. Ed. Martins Fontes, São Paulo, 1999. Tradução de Eduardo Brandão.

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