A angústia de tantas opiniões embriagadas de estupidez


Gostaria de levantar uma angústia comum, na razão pela qual não há um debate (um jogo cooperativo), mas um embate (uma competição selvagem), no interior de vários assuntos desconexos. Entre os assuntos, estão os seguintes conflitos exemplificativos: se a evolução é apenas uma teoria, e se libera o aborto. Na verdade, acredito que esses exemplos podem ser tomados como paradigmáticos, para outros, como "se tal político ou partido é melhor para o Brasil", "se tal intepretação da Bíblia é correta", "se libera a maconha" etc. Talvez assim, com alguma explicação com sentido, consiga acalmar melhor meu espírito e direcionar melhor minhas atitudes, diante de situações acompanhadas dessa angústia.

E agora apresento o primeiro assunto, a partir de uma recente declaração de Richard Dawkins (em uma página do www.telegraph.co.uk), que passou a dizer "o Fato da Evolução" em vez de "Teoria da Evolução", para não influenciar as pessoas com a ideia de que a Teoria da Evolução seja "apenas uma teoria". Inclusive é comum ver por aí, nas redes sociais, o uso irônico de "é apenas uma teoria". Há um problema mais fundo e emaranhado aqui, envolvendo debates dentro da Filosofia da Ciência. De um lado, os que depreciam uma teoria científica por ser uma teoria, estão ignorando (possivelmente por incompetência) uma etapa importante para o estabelecimento de uma lei científica, por conseguinte toda uma prática científica, da qual possivelmente fazemos uso no dia a dia (como a gravidade). Por outro lado, declarar fatos é parte de um problema antes filosófico do que científico. Ora, fatos do passado já se tornaram mitos do presente. Contudo meu ponto aqui não é algo da Filosofia da Ciência. Esse é o interior dos embates e debates do primeiro assunto exemplificado. Meu ponto é aquela angústia, que começarei após apresentar o segundo assunto.

Quanto ao segundo assunto, sobre o aborto, é comum identificar a petição "Estado laico!", como se os que negassem tal liberdade fossem motivados por questões meramente religiosas, ainda que a maior parte da nação fosse religiosa, o que é um problema da democracia. De fato, muitos chegam a defender a proibição do aborto como se o dever moral estivesse acima de qualquer vida. Por outro lado, os que fundamentam com argumentações não-religiosas, por exemplo, filosóficas, contra o aborto, sequer são conhecidos dessa maioria.

Parece que a angústia é sobre algo religioso, mas não é. É sobre a angústia de se sentir impotente diante de uma multidão que reforça seus próprios proferimentos mal executados sobre um estado de coisas, os quais podem apontar para estruturas sociais que não sou capaz de enxergar agora, ou até para outras angústias. Pode-se perguntar por que há tantos proferimentos opinativos mal executados? Um problema ético generalizado de falta de moderação (como tanto se apontou na antiguidade)? Uma depreciação histórica e seletiva da noção de autoridade (no assunto)? Uma supervalorização da (equivocada?) democracia representativa?

Opinamos tão facilmente sobre qualquer assunto na mesma facilidade como ignoramos se temos condições de assumir tais opiniões. E pior, outros reforçam essa má realização de proferimentos com a mesma facilidade. Talvez o fenômeno dessa facilidade seja (parte de) a direção a uma boa explicação. Como pelo menos o falar sobre os assuntos é livre e a popularidade de quem fala é democrática, então é possível haver um ambiente em que a pobreza de proferimentos intelectuais é louvada. Opinamos embriagados de tamanha estupidez como se pedindo a um garçom, para dizer "Eu vou declaro...", para estarmos casados, e todos felizes.

Quando falo em proferimentos, utilizo-me de um aprendizado recente da obra "Quando dizer é fazer", de J. L. Austin, na qual proferimento é a ação pela qual uma sentença é emitida num contexto concreto e particular, principalmente em oposição a ideia de que "dizer algo" é suficiente para caraterizar uma ação que fazemos. Um proferimento mal realizado é como, por exemplo, fazer uma doação apenas dizendo "Dou-lhe isto" sem fazer a entrega.

Assim, quanto aos dois exemplos, é importante separar quem tem condições de assumir os compromissos do que fala. Isso é uma importante circunstância do proferimento. Se não tem autoridade, no sentido de ter tal condição ao dizer algo, então a atitude do silêncio é a prudência, para quem se importa com virtudes. Ter tal autoridade é também o que separa a minoria de especialistas da grande maioria de não-especialistas, mas qual a razão de um especialista mirar as palavras de não-especialistas, ignorando a de outros especialistas? Mera desonestidade intelectual ou isso é um meio para evitar o que acredita ser um mal maior? Será esse mal maior a forma da democracia como a usamos em todos os âmbitos? Essa ainda não é a angústia focada aqui - talvez até seja o outro lado da moeda, pois imagine ter o futuro de seu trabalho determinado por uma multidão de opiniões estúpidas.

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