Quando deixamos de conversar bem pelo encanto da boa conversa


Às vezes deixamos de avançar, num encontro, reunião ou conversa, em um assunto importante, seja no trabalho, em casa ou entre amigos, por causa da indisposição natural a ruídos naturais numa comunicação. Implicitamente estabelecemos uma modelo (perfeição) de comunicação a seguir, mas rapidamente nos encantamos com tal modelo (!), como se fosse próprio de nossas ações, sem possibilidade de ruídos. E isso se manifesta quando desistimos de continuar a discussão do assunto por causa dos ruídos e não da clareza do assunto.

Há, por exemplo, os que, preocupados com uma boa condução da discussão, acabam olhando mais para a forma da comunicação do que para o que está acontecendo. Assim uns entendem que a discussão só vai para algum lugar, se em cada momento, todos falassem de uma determinada forma, que acreditasse ser adequada. Para uns adequado é falar com um volume suave ou constante. Nesse caso, não pode haver aquele levantar da voz repentino ou variado. Mudança no volume da voz é reflexo de alteração do espírito. E alteração é descontrole. É assim que muitos inferem um comportamento inadequado. Mas e o que foi dito, apesar da variedade de formas de falar?

Há, por exemplo, os que, preocupados com uma boa condução da discussão, acabam olhando mais para o bem pretendido em toda conversa - chegar a um entendimento comum ou uma resolução - do que para a variedade natural de possibilidades de diferentes vozes, modos de se expressar, que refletem diferentes histórias, situações e vocabulários. Aí ao menor ruído inicial de desentendimento, alguns já começam a desacreditar que aquilo vai levar a algum lugar. A tensão quando surge não é interpretada como um ruído natural da comunicação, mas como um defeito de uma ou mais pessoas. A crença, então, encerra a discussão antes de começar de fato. E assim uns concluem: não dá para conversar com vocês. E o que precisa ser dito se acumula com o tempo, e se manifesta em ações inadequadas, porque a conversa não fluiu antes, mesmo após algumas tentativas, ou acredita que não vai fluir mais.

Há, por exemplo, o caso em que todos fingem, em nome da boa condução da discussão, que deve ser perfeita, sem ruídos, caso contrário não é uma (boa) discussão. Ora, uma conversa não é boa pela ausência de ruídos, assim como um exercício não é bom pela ausência de esforços.

O ponto é que há ruídos numa comunicação que são naturais. Não por causa das pessoas, mas da vivência natural que todos nós passamos. É preciso superá-las, tolerá-las, suportá-las, ter paciência, insistir mais um pouco, para melhor compreender o outro e ser compreendido. Pois é no meio de todos esses ruídos aonde a mensagem começa a se tornar clara. E uma vez clara, há o avanço de fato.

Agora quando não estamos dispostos a suportar os ruídos que são naturais, não há muito o que conversar, (porque a prática da conversa não é um modelo ou uma teoria), mas agir de outra forma: esperar outro momento em que a disposição apareça ou a imaturidade para tais situações se dissipe. E a maturidade em lidar com tudo isso não é garantia de estar certo em suas colocações. Mas se sentir ao final ouvido faz um bem danado.

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