A fé é a escada para "revoluir"


Esta breve reflexão é para quem é estudante de alguma ciência, exata ou humana, de filosofia, ou melhor, estudante da vida.

A fé é uma escada de trans-form-ação para o bem. Ou melhor, a fé é um instrumento, cujo uso é uma ação que modifica a forma atual de quem a usa, para uma nova forma, capaz de exercer o bem. Dito isso, sobre o papel da fé, muitas vezes a perdemos de vista, em função de outras coisas, como a profissão de fé ("nisto ou naquilo") ou a natureza do objeto da fé ("no que não vemos"). Perder de vista esse papel é se perder no caminho, e perder muitas possibilidades de "revoluir", pois quanto melhor a escada, melhor a revolução para o bem maior.

A fé, na verdade, é uma espécie de um gênero também presente, em outras áreas do mesmo mundo do conhecimento humano, como por exemplo na filosofia e na ciência. A diferença, que adoto, é que a primeira luta por ou contra um mundo, geralmente perverso, tentando transformá-lo pelo bem. Desse modo, a religiosidade é apenas uma instância, muitas vezes ruim, da ética. Mas o esforço filosófico, por um conceitual bem amplo, busca transformar o mundo racional. E as ciências, com conceitos específicos, o mundo físico, biológico, social, jurídico etc. Assim, o conceitual é o gênero em questão. Há muito a dizer sobre isso, mas o ponto aqui é a aplicação de conceitos, uma das marcas distintivas do ser humano como ser racional, em que o conceito não é o alvo maior, mas o instrumento maior.

Em meados dos séculos 8 a 7 antes de Cristo, sob o reinado de um perverso rei, o profeta Habacuque revolucionou o paradigma da prática do bem, com a fórmula "o justo viverá a partir da fé". Não foi uma mudança de referência da (profissão ou objeto de) fé, pois Deus continuou sendo o mesmo "Deus de Abraão, Isaque e Jacó". Mas a escada mudou. O pensamento vigente era de um intelectualismo das leis, que foi antes muito eficaz sob aqueles que viviam numa época sem lei. Nesse contexto, tornou-se vigente o encanto de que o conhecimento internalizava um caráter ético, então quanto mais exato e amplo o conhecimento, maior seria a força ética. Não foi o que aconteceu. A calamidade ética do sistema social e jurídico da sociedade teocrática judia era tamanha, que esse profeta usou o mesmo termo, traduzido geralmente por "Violência", para a mesma maldade que levou Deus a trazer o dilúvio.

A fórmula de Habacuque foi reaplicada, pelo apóstolo Paulo, séculos depois, no desenvolvimento embrionário do cristianismo, na carta aos cristãos romanos, de origem judaica. A revolução ético-instrumental da fé agora seria (re)ampliada a todas as etnias, para além do judaísmo regional, tendo a fórmula "Cristo Jesus" como uma forma de vida, verdadeiramente transformadora ("o caminho, a verdade e a vida"), para, não só sermos melhores, mas amigos e co-participantes de um mundo melhor, para além desta vida. É tudo muito mais (eticamente) natural, do que sobrenaturalmente se imagina. E muitos se perdem nessa confusão, e até evitam a realidade (social) da fé, temendo não cair em certas confusões, com certa razão.

E como ficariam as (referências das) outras crenças? É esse o ponto relevante em vista? O que te faz (se esforçar) melhor: um amor constrangedor e/ou um amor justo? Quando você diz "acredito em", em que circunstâncias você aplica (!) esse dito de fé? Ou quais consequências espera dessa aplicação? Essas questões, na verdade, apontam para a resposta essencial, na fórmula cristã "a fé sem obras é morta". Antes de Jesus, imaginavam os judeus um Messias ideal crucificado? Esse é o grande escândalo, a "pedra de tropeço", que tanto revolucionou o fariseu romano, bom conhecedor da lei, Paulo, que depois viria a ser um grande apóstolo por vocação. Não foi uma mera mudança de referência, de algo sobre o mundo espiritual, sobrenatural ou metafísico. Muitos passam por experiências extraordinárias, inexplicáveis a muitos, até insondáveis, milagrosas, porém "sem amor, eu nada seria".

No cotidiano, muitas vezes falamos "fé", de uma forma abreviada, por isso ambígua, quando queremos dizer "o papel da fé", "o tipo de objeto da fé" ou outra coisa. Temos uma herança muito ruim em nosso pensamento, filosófico ao cotidiano, de que pensar em fé é meramente pensar no conteúdo, como se discutindo o que existe ou não, o que é verdadeiro ou não, ao que se deve se submeter ou não, em vez de focarmos em como cada conceito de fé se aplica melhor contra um mundo perverso ou que possa ser melhor transformado. E nesse mundo estão as pessoas, eu e você.

É como você aplica a sua fé, ao tratar sua esposa, filha, amigo, vizinho, colega de trabalho, entre outros, não meramente evitando o mal, mas (re)construindo o bem. E se for, com o melhor instrumento, que puder se aplicar e se internalizar em você, melhor ainda.

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