Prudência

Prudência, nome romano da deusa Métis, por Luca Giordano

Na mitologia grega, a deusa Métis é a personificação da prudência, da habilidade ou da sabedoria. Aliás, a palavra medida ou medir tem origem nela, daí sua ligação com o sentido de cálculo ou conhecimento exato. Porém, nos dias de hoje, é cada vez mais incomum a virtude de "calcular" as consequencias de nossas ações, e o desconhecimento dessa virtude é apenas o primeiro passo para a perdição.



A ação de uma pessoa pode desencadear uma sequencia de resultados curtos ou longos, fortes ou fracos, enfim, cada uma delas podendo conter diferentes características. Exemplo disso é o filho de alguém matar um animal. Nesse caso, o filho seria um "resultado" do pai e a morte seria um "resultado" do filho. O primeiro seria um "longo e fraco", enquanto o segundo seria "forte e curto".

Nesse sentido, para fins de prudência, dentre as características existentes para as consequencias de nossos atos, duas são importantes: as intermediárias e as finais. Um exemplo dessa classificação é uma fissão nuclear, uma reação física em cadeia.

Reação em cadeia

Outro exemplo é o famoso dito maquiavélico "os fins justificam os meios", em que basicamente para garantir a proteção de uma sociedade (o resultado) é preciso tomar, muitas vezes, ações ditas impopulares ou até consideradas más (os meios) para um bem maior. Logo, não existe o fim sem os meios, e a prudência sabe bem disso. Os imprudentes, no entanto, ignoram tal verdade (os meios) e buscam um bom fim (maldade seria buscar um mal fim), acreditando apenas na boa intenção. É como diz André Comte-Sponville: "As outras virtudes, sem a prudência, não poderiam mais que revestir o Inferno com suas boas intenções".

E essa virtude não estava presente apenas em sociedades do passado. No Brasil há uma campanha em favor de um projeto de lei com penas mais severas para os motoristas sem prudência. A razão prática disso seria punir alguém pelos resultados de um "acidente" de trânsito se o provocasse estando alcoolizado, mesmo alegando não ter sido capaz de prever tal tragédia, momentos antes, porque o "motorista imprudente não é apenas perigoso, também é - pelo pouco caso que faz da vida alheia - moralmente condenável" (André Comte-Sponville).

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Então como é ser prudente? É ter uma bola de cristal mostrando os efeitos de cada ato? É ser um cientista com a habilidade de demonstrar previamente os acontecimentos futuros? É ter a capacidade divina de ver tudo? Não. Novamente André Comte-Sponville: "A prudência supõe a incerteza, o risco, o acaso, o desconhecido". E completa: "A prudência não é uma ciência; ela é o que faz as suas vezes quando a ciência falta (...), quando nenhuma demonstração é possível ou suficiente. É então que é necessário querer não apenas o bom fim, mas os bons meios que conduzem a ele!".

É preciso, portanto, conhecer bem essa virtude para não incorrer em más interpretações ou ser julgado pela falta dela, como fazem comumente com estas palavras de Jesus: "Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem" (Lucas 23:34). Talvez aí um motivo do dito popular: "de boas intenções, o Inferno está cheio".

Muitos sábios julgam tais palavras como se vindo de Sócrates ou Platão, em que o mal não passaria de um erro, doutrina base, inclusive, de muitas crenças e religiões. Por esse princípio socrático a ignorância justificaria um pecado ou uma maldade, tornando a pessoa merecedora de perdão por causa de sua falta de conhecimento ou evolução. Não havendo, portanto, a ideia de culpa ou necessidade de perdão da parte de alguma divindade, no máximo, uma autoconscientização do erro, por conseguinte, um autoperdão. Até o próprio André Comte-Sponville julgou tais palavras como dessa autoria.

Todavia, a "sabedoria sem prudência seria sabedoria louca", pois o "homem prudente é atento, não apenas ao que acontece, mas ao que pode acontecer", então o próprio Comte-Sponville (além desses sábios) podendo conhecer o contexto desse versículo, não prestou atenção às palavras dos apóstolos, em outros livros, a respeito de um "pecado da ignorância".

Segundo Josivaldo de França Pereira, "Jesus orou assim porque elas não tinham ideia da enormidade do crime que estavam cometendo. Não compreenderam a grandeza da maldade que estavam praticando. Não sabiam que matavam o Autor da vida, o Messias prometido, o Filho de Deus. Isso fica claro quando ouvimos o testemunho dos apóstolos no Novo Testamento.". E confirma com os seguintes versículos, além de outros: 

"Durante seu discurso no templo, Pedro diz ao povo: "Dessarte, matastes o Autor da vida, a quem Deus ressuscitou dentre os mortos, do que nós somos testemunhas. E agora, irmãos, eu sei que o fizestes por ignorância, como também as vossas autoridades; mas Deus, assim, cumpriu o que dantes anunciara por boca de todos os profetas: que o seu Cristo havia de padecer" (Atos 3.15,17,18).

"Sou grato para com aquele que me fortaleceu, Cristo Jesus, nosso Senhor, que me considerou fiel, designando-me para o ministério, a mim, que, noutro tempo, era blasfemo, e perseguidor, e insolente. Mas obtive misericórdia, pois o fiz na ignorância, na incredulidade" (1 Timóteo 1.12,13).
"Pois os que habitavam em Jerusalém e as suas autoridades, não conhecendo Jesus nem os ensinos dos profetas que se lêem todos os sábados, quando o condenaram, cumpriram as profecias; e, embora não achassem nenhuma causa de morte, pediram a Pilatos que ele fosse morto" (At 13.27,28)

É por esse motivo que alguns poderão ser julgados e condenados pela sua atitude de ignorar ou de negligência. E para não falar besteira, quando aplicada a justiça sob tal ignorância, é preciso entender a prudência! Ou melhor, é necessário conhecer a misericórdia de Deus, como naquelas palavras de Jesus: "Pai, perdoa-lhes, pela negligência deles" (Lucas 23:34).

Se a imprudência não fosse uma falta (grave, muitas vezes) não seria passível de perdão mas de desculpas (entenda a diferença entre desculpa e misericórdia). Aliás, nenhum sistema jurídico condenaria um motorista alcoolizado por um "crime" de trânsito, se a negligência não fosse um mal perdoável, mas desculpável, então seria inútil continuar aquela campanha por leis mais severas, pois não estariam condenando uma pessoa maldosa, mas uma coitada "merecedora de perdão" (termo equivocado).

(Nosso ordenamento jurídico faz uma distinção entre tipos de ausência de prudência como imprudência e negligência, porém para fins morais ou espirituais são irrelevantes).

Além disso, muitos horrores foram consumados em nome do Bem, por causa de uma moral vã ou perigosa, sem prudência, por isso é imoral ser imprudente. Nisso estava a preocupação do apóstolo Paulo quando afirmava: “Porque lhes dou testemunho de que tem zelo por Deus, mas não com entendimento.” (Romanos 10:2). Aliás, ele mesmo, antes de conhecer a Cristo, em seu zelo pela lei de Deus foi um perseguidor da igreja (Filipenses 3.6; João 16.2).

Todas as suas virtudes são nada ou não passam, no máximo, de meras habilidades, sem a prudência. E sua vida sem conhecer o Autor da Vida? Ou o ignora por causa do "escândalo" de seus mais conhecidos "representantes"?


Portanto, é muito difícil dizer para alguém: você está sendo imprudente! Por que a pessoa pensa no fim e não nos meios. E a boa intenção se concentra apenas nesse fim, ignorando completamente os meios, que PRECISAM estar bem ajustados ou conectados com esse fim.

Não existe fim sem meios. E maldade mais sutil é aquela que explora a ignorância dessa verdade.

Você acha que está fazendo um bem enorme a alguém, mas, no fim, causa um mal pior, porque não pensou nos meios, porém somente no fim, que sua boa intenção imaginou, mas não planejou com sabedoria, virtude etc.


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Referências


[1] Wikipedia
[2] André Comte-Sponville. Pequeno Tratado das Grandes Virtudes.
[3] Josivaldo de França Pereira. O pecado por ignorância e a salvação no Novo Testamento.

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