Ande pelo corredor da morte, e siga-me


Não se pode interpretar qualquer passagem bíblica sem aplicar adequadamente alguns princípios hermenêuticos básicos, como o uso do contexto cultural da passagem, além da própria gramática.

Exemplo disso é a interpretação do versículo Lucas 9:23: "E dizia a todos: Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome cada dia a sua cruz, e siga-me."

Primeiro, é preciso conhecer o contexto político (parte do aspecto cultural) para entender as palavras "tome a sua cruz". Segundo, a intenção do autor para entender o sentido dessa negação pessoal (negar o quê?). E, por fim, perceber o uso da  figura de linguagem para não levar ao pé da letra que deveria carregar uma cruz literalmente por aí.

Nesse sentido, propositalmente o versículo da imagem foi alterado para conter o sentido mais próximo, baseado no contexto político da época, aplicado aos dias de hoje.

Como "em qualquer cultura ou época, os escritores de um documento, assim como os leitores, sofrem a influência do contexto social", "dada a existência de um abismo cultural entre nossa era e os tempos bíblicos (...) é imperativo que nos familiarizemos com a cultura e os costumes de então" (ZUCK, Roy B, p. 89, 90).

Zuck então lista 11 categorias dos aspectos culturais: "política, religião, economia, leis, agricultura, arquitetura, vestimentas, vida doméstica, geografia, organização militar e estrutura social". E apresenta essa passagem de Lucas como um dos exemplos da dependência do conhecimento cultural para a correta interpretação de uma passagem bíblica. Assim ele concluiu que "naquela época tomar a cruz não significava passar privações, nem suportar pessoas e circunstâncias desagradáveis" (ZUCK, Roy B, p. 92, 93).

Assim já entendemos o que não significa aquela negação pessoal, pois não é negar a realidade dos problemas nem a própria personalidade para seguir Jesus. Aliás, esse é o entendimento de muitos hoje, talvez por isso a presença marcante de radicalismos e problemas psicológicos em certos ambientes.

Nesse sentido, "quando o Império Romano crucificava um criminoso ou preso, a vítima frequentemente era forçada a carregar sua cruz durante parte do caminho para o lugar da sua crucificação, carregando sua cruz pelo centro da cidade", logo os "discípulos da Galiléia sabiam o que isso significava, pois centenas de homens haviam sido executados desta forma naquela região" (ATOS).

Por fim, utilizando-se da harmonia dos evangelhos por Robert e Stanley (p. 89), fica mais fácil perceber o contexto dessa negação, que é o primeiro anúncio profético por Jesus da rejeição, crucificação e ressurreição do Messias. Veja-o nesta figura:


Jesus estava, na verdade, falando de fidelidade ao seu evangelho com relação a expressão "negue a si mesmo".

Referências

ZUCK, Roy B. A Interpretação Bíblica - Meios de Descobrir a Verdade da Bíblia. ed. Vida Nova, 2009.
ATOS. Morrer Para Si Mesmo.
THOMAS, Robert, GUNDRY, Stanley. Harmonia dos Evangelhos: Nova Versão Internacional. ed Vida, 2004.

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