Países menos religiosos são menos violentos?! O que realmente diz o IGP!



Quando paramos para realmente ler as fontes dos dados das notícias, descobrimos muitas coisas, até contrárias às próprias notícias. 

Um amigo no Facebook compartilhou a seguinte notícia: "Países menos religiosos são menos violentos, aponta estudo". Inicialmente fiquei curioso nestes dois pontos:
1. "o conflito religioso na Sociedade é praticamente inexistente";
2. "um ranking feito pelo sociólogo Phil Zuckerman mostrou que todos os países desse top 10, menos a Irlanda, estão entre os 50 menos crentes do mundo".

A curiosidade aumentou quando percebi que estavam Portugal e Espanha entre esses 50 "menos crentes", já que historicamente são uns dos mais católicos do mundo. Além disso, procurei rapidamente no site do IGP e não encontrei nada claramente sobre religiosidade contra a paz.

Aí pesquisei a partir da notícia no paradigmatrix.net, que aponta para JornalQ, que aponta para hypescience.com (!). Neste último tem um link para "50 menos crentes do mundo", por Natasha Romanzoti.

Assim, sem encontrar nada claramente nas notícias e nas páginas dos sites, fiz uma leitura rápida do relatório de 2015, do IGP (GLOBAL PEACE INDEX 2015. Results & Findings), e encontrei algumas coisas para refletir sobre a postura do jornalista brasileiro que entendeu haver um apontamento (tendência?) para "países menos religiosos são menos violentos": se leitura apressada ou má fé. Lembre que são jornalistas e não leitores comuns, como eu.

No relatório, o tópico "ONGOING DOMESTIC & INTERNATIONAL CONFLICT", a respeito dos 6 países mais afetados pelos conflitos do Oriente Médio e do Norte da África (MENA), analisa alguns dos mais importantes drivers de violência e oportunidades para construção da paz, e adivinha o que não está lá (p. 23).

Também há uma objeção explícita deste relatório contra uma correlação entre divisão religiosa e conflitos por outra fonte: "It is an oversimplification to say that divides between Sunnis and Shia, or even Islamists and others, are the only source of conflict, as described in IEP’s recent paper, Five Key Questions Answered on the Link between Peace and Religion. Many MENA countries have both Shia and Sunni populations and are peaceful, such as Qatar, Kuwait and the United Arab Emirates" (p. 24). 

E complementa o que piora tudo na verdade: "The regional conflicts are further complicated by the engagement of global powers, such as the US and Russia, who see the region as strategically significant." (p. 24).

Na tabela 15 ("NOTABLE GLOBAL CORRELATES OF MILITARISATION"), entre 5 indicadores relacionados com militarização, há um em último lugar, "Religiously affiliated terror groups active", pela "Social Hostilities Index", mas a conclusão dessa tabela é militarização correlaciona mais fortemente com a violência política (p. 37).

Em outro ponto, sobre o crescente terrorismo por grupos religiosos, afirma: "The majority of deaths from terrorism have occurred in countries suffering from protracted civil conflict or war" (p. 49). Aliás, um ato terrorista, no mesmo documento, tem como um dos critérios, para ser classificado como tal, querer alcançar um dos seguintes objetivos: "political, economic, religious or social" (p. 107). E o político é o mais forte! (p. 37). 

Nos pilares da noção de Paz Positiva (p. 85), não há nada negativo envolvendo religiosidade. Na verdade o que mais se aproxima (e positivamente) é o respeito à diversidade, inclusive religiosa, no pilar "Acceptance of the Rights of Others": "A country’s formal laws that guarantee basic human rights and freedoms and the informal social and cultural norms that relate to behaviours of citizens serve as proxies for the level of tolerance between different ethnic, linguistic, religious and socioeconomic groups within the country. Similarly, gender equality, worker’s rights and freedom of speech are important components of societies that uphold acceptance of the rights of others" (p. 84). 

Aliás, excluir a religiosidade de grupos minoritários pode gerar futuros conflitos, conforme tópico "HOW IMPORTANT ARE INFORMAL ATTITUDES AND BEHAVIOURS TO POSITIVE PEACE?": "Similarly, institutions may function well for a majority of a population but exclude different religious or ethnic minority groups and thus be the source of grievances which COULD BE THE SOURCE OF FUTURE VIOLENT CONFLICT" (p. 88).

E dentro desse pilar específico, construído por 3 indicadores, um deles é o "Empowerment Index", descrito como "An additive index constructed from the Freedom of Movement, Freedom of Speech, Workers’ Rights, Political Participation, and FREEDOM OF RELIGION indicators" (p. 90).

E voltamos, por fim, ao Phil Zuckerman, que "entrevistando 150 cidadãos dinamarqueses e suecos, quis mostrar que, mesmo sem Deus, "é possível que uma sociedade seja forte, saudável, moral e próspera"" (notícia de 2008, da UNISINOS). No entanto, o relatório do IGP cita o conflito político como o maior problema da paz mundial, e sobre a questão religiosa, parecer haver um grande equívoco.

Acredito que há mais para extrair desse grande equívoco (ou má fé?) das notícias brasileiras, se houver uma leitura mais aprofundada do relatório, pois aponta para menos violência se houver maior respeito, institucionalizados de forma confiável, à diversidade e não a eliminação de algumas delas. Aliás, um  apontamento como "menos religiosos são menos violentos" foi até criticado no próprio relatório (p. 24).

Referências
United States Department of State, “International Religious Freedom Report for 2013,” 2013, http://www.state.gov/j/drl/rls/irf/religiousfreedom/index.htm#wrapper (accessed 30 April 2015).

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Leituras: Psicologia Cognitiva - Robert J. Sternberg

Ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ Λόγος, καὶ ὁ Λόγος ἦν πρὸς τὸν Θεόν, καὶ Θεὸς ἦν ὁ Λόγος. (Como Deus e não Deus?)

Tradução e comentários de Lucas 20:34-38 - os filhos deste e daquele mundo