A moderação entre pais e filhos através do choro


O choro expressa um sofrimento, desde o parto até a morte. No parto, é a primeira linguagem utilizada pelo ser humano, e comumente é interpretada como um desejo natural em voltar a uma zona de conforto, na qual estava acostumado. E enquanto, não se desenvolve por completo o jogo de sons e palavras, é ainda a linguagem mais utilizada. Nesse estágio, alguns pais, por outro lado, desenvolvem uma habilidade especial em detectar quando o choro é manha ou não. E dependendo do tipo de choro, uma vez preocupados com a moderação do bebê, atendem ou não o desejo "dito" pelo choro - esses pais sabem: moderar é amar. Com o tempo, a complexidade aumenta, mas o princípio de moderação é o mesmo para uma relação efetiva de amor em diferentes momentos da vida. Moderação, aliás, é um dos princípios basilares dos tratados éticos antigos.

Vivemos uma época em que os pais já não mais reconhecem o choro dos filhos. Uma das razões, justificam, é que não são mais bebês. O choro, que antes estava circunscrito a um contexto bem natural ou doméstico, na maioridade, ganha contornos psicológicos bem complexos, envolvendo variadas questões sociais. Não se trata mais de uma fome diária ou de uma manha, mas de uma reprovação num curso universitário, de uma carreira profissional estagnada, de um desemprego, de uma traição, de um câncer, de uma perda, de um teste decisivo, de um relacionamento complicado etc. Assim muitos culpam a complexidade das situações, antes mesmo de avaliar se perderam de vista o contexto que originou o choro. Sem esse contexto não é mais possível reaplicar aquela mesma habilidade especial - esses pais sabem: moderar é conhecer. Assim o mesmo choro, que para terceiros pode ser interpretado como uma injustiça a ser reparada ou um desejo a ser satisfeito, para tais pais é uma oportunidade de amor para desenvolver (mais ainda) um caráter ético equilibrado, quando é manha ou um algum hábito viciado inconsciente.

Identificando um hábito de vício ou sua possibilidade de formação no choro, os pais, então, não oferecem o que se deseja, porém criam uma situação em que certo esforço é necessário para um desenvolvimento ético equilibrado. E como todo esforço é sofrimento, alguns, por causa da semelhança genérica com o sofrimento, associam esforço com injustiça, já que tal maldade provoca muito sofrimento. O sofrimento causado com conhecimento adequado do contexto original do choro evita excessos e gera moderação. Por outro lado, acompanhar tal contexto não é fácil, pois requer um certo esforço ou até renúncias. Não é de forma nenhuma razoável exigir um caráter moderado dos filhos, como um fim desejado, não sendo o mesmo, como um meio para tal fim. Desse modo, a moderação sofrida dos filhos depende da moderação sofrida dos pais - esses pais sabem: moderar é sofrer juntamente.

Se a cada choro, a decisão é evitar o choro em si (o cala-choro), já dando o que se deseja, um futuro de frequentes fraquezas e conflitos é quase certo. Se o filho chora por causa da nota baixa na prova ou no trabalho, é preciso analisar o contexto de origem desse choro. Havia condições normais de estudo? Em vez de estudar periodicamente, deixou para estudar no último dia, enquanto se divertia em excesso com outras coisas? Passou anos sem desenvolver um hábito de estudo? Fez plágio? Foi falta de uma boa estratégia? Alguma surpresa injusta? Enfim, nem todo contexto de choro é eventual, mas pode envolver algum histórico habitual. Dentro desse histórico, é preciso avaliar se o choro é de remorso ou de arrependimento, pois o remorso expressa o sofrimento sentido pelas consequências, enquanto o arrependimento expressa o sofrimento pelos caminhos que ignorou para evitar tais consequências. Por isso, geralmente o arrependimento envolve uma mudança de valores, uma mudança mental mais profunda, uma espécie de conversão. Isso vale tanto para os filhos como para os pais.

Nem todos os pais estão conscientes de que estão mimando seus filhos, mesmo adultos, porque a linguagem do choro encanta e engana, se não avaliada sob um contexto de origem. Nesse sentido, o que parece amor na superfície do evitar um sofrimento, acaba atrofiando a força ética da moderação no caráter de um futuro pai ou mãe, tornando-se, assim, um desamor.

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