Um exemplo de extremos de nossas redes sociais


Que característica relevante identifica um sábio? O que justifica alguém ser qualificado de modo justo como sábio? Vou tentar uma resposta para o que está em questão agora, a partir desse caso de Marielle, que parece estar dividindo as pessoas, como em época de eleições. Pois bem, uma característica própria do sábio é a ausência de contradição entre o que diz e o que faz. Na verdade, essa é uma caracterísitca aplicável a muitas outras situações. Mas se pelo menos o sábio não a tem, então sua sabedoria é demagogia, charlatanismo, falsa, e por aí vai. A cultura cristã tem o exemplo clássico do monitoramento dos fariseus das ações de Jesus. Veja este trecho, traduzido de uma versão em grego (de minha preferência):

ἦλθεν ὁ υἱὸς τοῦ ἀνθρώπου ἐσθίων καὶ πίνων, καὶ λέγουσιν Ἰδοὺ ἄνθρωπος φάγος καὶ οἰνοπότης, τελωνῶν φίλος καὶ ἁμαρτωλῶν. καὶ ἐδικαιώθη ἡ σοφία ἀπὸ τῶν ἔργων αὐτῆς. (Westcott e Hort. 1881. Mateus 11.19)

"Veio o filho do homem, bebendo e comendo, e dizem: 'Contemplem (um) homem, comilão e beberrão, amigo (filos) de cobradores de impostos e de depravados'. Mas justificada é a sabedoria (sofia) pelos seus resultados produzidos."


Nesse trecho, o "filho do homem" é Jesus, e por suas ações de comer e beber, recebe o julgamento de ser comilão e beberrão, por estar na mesma mesa, de determinadas classes de pessoas, bem eticamente questionáveis, pela mesma comunidade social de Jesus, seja por possuir certas riquezas e posições políticas como a dos cobradores, seja pelo baixo padrão cultural dos "depravados". Enfim, o mesmo tipo de reação (desconfiança, ódio) por motivos diferentes. Esses motivos podem ser esclarecidos da seguinte forma. Por um lado, esperava-se de Jesus o seguinte julgamento aos cobradores: "Vocês são os responsáveis pela exploração da ordem romana sobre nosso povo". Por outro lado, Jesus devia dizer aos "depravados": "Vocês devem voltar a seguir as nossas tradições, e se purificar das influências estrangeiras". Mas em vez disso tudo, Jesus "só bebia e comia" (daí beberrão e comilão) com pessoas dessas classes. Com essa crítica de fundo, Jesus compreendia bem o que estava em jogo: sua sabedoria, suas próprias palavras, seu caráter.

Curioso é a presença de "filos" e "sofia" nesse trecho (lembra o quê? "filo+sofia").

Voltando ao ponto em questão. Como hoje identificamos, na nossa comunidade das redes sociais, uma pessoa sobre a qual podemos desconfiar e até odiar? Basta olhar suas postagens, sobre um determinado evento, como no caso mais recente, da execução de Marielle, pelo qual a maioria de uma classe uniformemente se comporta. Se não está na mesma "mesa", de consumo e produção de postagens dos outros, então é um dos nossos, senão é "amigo" dos outros.

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