A simplicidade da expressão “graças a Deus"
Às vezes, coisas simples se
tornam complexas, e pior, desnecessariamente. Esse é o caso da expressão
"graças a Deus". Dependendo do contexto em que ela é dita, pode
refletir desconforto, figura de linguagem ou fé, no entanto sem uma distinção
clara de qual está sendo usada numa comunicação, além da falta de imaturidade nesse
último caso. Por isso, para muitos, acaba se tornando complicado simplesmente
dizer: “graças a Deus”.
A diferença entre simplicidade e
complexidade é uma questão de perspectiva, de visão, de distância. É como olhar,
de longe, o chão de uma rua da Patagonia
e concluir que são pedras brancas, quando, na verdade, olhando de perto, são
conchas. E se olhar uma concha dessas mais de perto ainda?
Por isso, como dito em outro
post, a simplicidade "é o contrário da duplicidade, da complexidade,
da pretensão", mas não simploriedade ou falta de inteligência. Aliás,
inteligência não é congestionamento, complicação ou esnobismo, mas a "arte
de reduzir o mais complexo ao mais simples", ou mesmo o
"desinteresse, desprendimento, desprezo de provar, de prevalecer, de
parecer" (palavras de André Comte-Sponville, do livro “Pequeno Tratado das
Grandes Virtudes”).
Essa simploriedade acontece, por
exemplo, quando um crente declara não ser necessário estudar (e muito) para passar
num vestibular ou concurso porque se Deus quiser, passará de qualquer jeito,
independente do esforço aplicado. Nesse caso, a expressão “graças a Deus” adquire
uma conotação de fé sem nenhuma razão. Aliás, fé é uma oposição à visão e não à
lógica ou ao raciocínio.
O erro básico aqui é confundir ação divina com
mágica, como se o próprio Criador negasse o que Ele mesmo estabeleceu: a
criação, em toda sua existência, incluindo os meios e não apenas os fins. Nesse
sentido, os milagres não são mágicas, mas complexos não dominados ou não entendidos
pelo homem. Conhece a história (ou o mito?) das dez pragas do Egito? Possíveis
ou impossíveis? Talvez seja possível responder assistindo ao documentário “O
Êxodo Decodificado”, produzido por James Cameron.
E hoje o homem já consegue
dominar muitos eventos da natureza, ao ponto de fazer previsões do tempo e da
própria saúde, pois entende melhor os elementos envolvidos: pressão, volume,
temperatura, composição, comportamento etc. Todavia antigamente, como na época
de Jó, a explicação para as forças da natureza eram divinas: “Ou podes levantar
a tua voz até às nuvens, para que a abundância das águas te cubra?” (Jó 38.34).
Mas esses antropomorfismos bíblicos eram suficientes para as mentes dos antigos
homens, por uma questão de simplicidade inteligente, em função do que era
possível enxergar: "Onde estavas tu, quando eu fundava a terra? Faze-mo
saber, se tens inteligência." (Jó 38.4).
Essa inteligência, ou melhor, essa
arte de reduzir o complexo em simples, Jó experimentou do próprio Deus, quando desabafou:
“Bem sei eu que tudo podes, e que nenhum dos teus propósitos pode ser impedido.
Com os ouvidos eu ouvira falar de ti; mas agora te vêem os meus olhos” (Jó 42.2,5).
No caso dele, como publicado em outro
post, na literatura do Antigo Testamento, havia um princípio geral de causa
e efeito, apoiando a crença de que boa conduta produziria bons resultados, e má
conduta, maus resultados (Provérbios 11.4, 28; 16.18). No entanto tal princípio
não era absoluto, inquebrável, porque Jó era uma pessoa reta e inocente (Jó
1.8; 2.3), e quando clamou ao Senhor a razão de seu grande sofrimento, Deus não
respondeu apontando para nenhum pecado em sua vida (Jó 13.3,14; 23.3-5; 9.3;
10.2), mas para Ele mesmo. (Esse é o grande divisor de águas entre a mensagem
cristã bíblica e religiões ou crenças que pregam a evolução espiritual como
meio ou caminho para alcançar a perfeição ou uma vida sem males.)
Essa iluminação aconteceu porque Jó
reconheceu a simplicidade da ação de Deus e não todos os eventos envolvidos em
sua vida, pois se tornaria complexo, ou pior, enganoso querer ver tudo de tão
longe. Seria possível alguém ver tudo se estivesse bem próximo? O quão próximo
a humanidade está hoje?
Em relação a essa proximidade, sabe-se que a
matéria é formada de pequenas partículas, os átomos, e estes são formados por
partículas elementares: prótons, os elétrons e os nêutrons. Por causa desse
conhecimento, da Física de Newton, o matemático e físico francês Pierre-Simon
de Laplace, afirmou que uma supermente que soubesse as posições e velocidades
de todos os átomos que existem poderia usar as leis da mecânica para prever o
futuro.
Além disso, há um fato bíblico interessante,
mas complexo colocando, num mesmo fim, a ação tanto de Deus quanto dos homens: "Homens
israelitas, escutai estas palavras: A Jesus Nazareno, homem aprovado por Deus
entre vós com maravilhas, prodígios e sinais, que Deus por ele fez no meio de
vós, como vós mesmos bem sabeis; A este que vos foi entregue pelo determinado conselho e presciência de Deus,
prendestes, crucificastes e matastes pelas
mãos de injustos" (Atos 2:22-23).
Nesse versículo é enfatizado que
Deus era o responsável soberano pelos eventos, contudo não tirou a culpa
(responsabilidade moral) daqueles que entregaram Jesus para morrer na cruz. Esses
eventos não foram "controlados" pelo acaso, pois Deus havia inclusive
anunciado pelos profetas anteriormente que "Cristo havia de padecer"
(Atos 2.18) e ser ressuscitado (Atos 2.26). E na verdade todos esses eventos
foram profetizados (Atos 2.24).
Para simplificar esse complexo, como
já dito num outro
post, R. C. Sproul, por exemplo, coloca, que diferente do que muitos
pensam, Deus não nega a responsabilidade pelo mal no mundo, colocando a culpa
no livre-arbítrio do homem, pois Ele não é apanhado de surpresa pela presença
do mal, como se não soubesse de antemão a razão do sofrimento de seu filho ou de
sua criatura, porque Ele controla a existência do mal. (Outra grande diferença entre
a mensagem cristã bíblica e outras crenças).
Logo, o mal tem o seu início e
fim determinado, por isto não depende das ações de suas criaturas para o mal se
extinguir por completo. O mal não é uma força em rivalidade com Deus. Não é
outro "senhor". A idéia do Diabo como em pé de igualdade contra Deus
é crendice popular cristã. Deus é o bem supremo e não uma força de bondade em
rivalidade contra o mal.
Porém convém ressaltar que Deus
não é criador do mal no sentido simplista de quem coloca uma arma na mão de um
criminoso e o guia até o cenário e situação do crime, caso contrário não seria
possível conciliar com aquele versículo de Atos.
Por isso, é desnecessário fazer confusão com a
expressão “graças a Deus”, pois ela pode ser uma simples figura de linguagem como
“ainda bem que” ou “felizmente” pela força do hábito, ou pode ser um ato de fé,
com ou sem profundidade nenhuma. Nesse último sentido, como ato de fé, é
compreensível o desconforto em quem não acredita.
Mesmo assim, quando um ateu ou
cético ironiza, utilizando essa expressão, de certa forma, está
envolvido numa ironia maior ainda, semelhante à tragédia do Édipo
Rei, se sua esperança numa continuidade da vida é depositada no conhecimento
exaustivo das coisas, ignorando a ação completa e simples da graça de Deus, no
tempo presente, como todo o complexo harmônico e inteligente envolvido no
funcionamento do ser humano, da Terra e do universo.
Felizmente, há conhecimento
suficiente, das ciências existentes (para quem realmente busca com sinceridade),
para afirmar com fé e razão a ação inteligente e soberana da graça de Deus
sobre toda criação.
(Sempre que dou graças a Deus, por tudo de bom e
de ruim, tento lembrar a supermente de Laplace para facilitar a razão da minha
fé.)
"Em tudo dai graças, porque esta é a vontade de Deus em Cristo Jesus para convosco." (1 Tessalonicenses 5:18). Mas se é difícil, então talvez você não esteja vendo com simplicidade.
"Em tudo dai graças, porque esta é a vontade de Deus em Cristo Jesus para convosco." (1 Tessalonicenses 5:18). Mas se é difícil, então talvez você não esteja vendo com simplicidade.
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