O caminho de fraqueza e gratidão para perdoar


Esta postagem é para os que estão com dificuldade de perdoar.

Por muito tempo, cerca de 3 anos, experimentei um ódio muito grande por uma pessoa, de tal forma a desejar o seu fim. E o perdão só se tornou real, quando deixei apenas de ouvir a respeito dessa virtude e me tornei objeto dela.

É fácil perceber quando o aprendizado é mais efetivo quando não ocorre só pela audição. Exemplo disso ocorre quando um motorista está acostumado a furar fila no trânsito porque ninguém lhe oferece a gentileza de entrar em sua frente. No entanto, quando começa a experimentar essa boa vontade dos outros, rapidamente é confrontado a fazer o mesmo, pois é comum no trânsito passar por tais situações. Certamente uma coisa é aprender a ser mais gentil por causa de conselhos ou cobranças, e outra, por ter experimentado gentileza.

"Se a virtude pode ser ensinada, como creio, é mais pelo exemplo do que pelos livros" - André Comte-Sponville.

Assim é o complicado caminho do perdão para muitos: vários ensinamentos, cobranças, crenças e mandamentos, mas essa virtude não se revela como uma capacidade inerente (algo que já temos naturalmente), porém como um dom (algo adquirido). Por esse motivo a frustração é grande para os que não a conseguem, e o ódio acaba consumindo mais ainda.

Lembro bem as tentativas frustradas para perdoar, pois parecia que quanto mais tentava, mais piorava. Sabia da necessidade em perdoar, porém não encontrava forças para isso: "Tento, mas não consigo, juro que não consigo". E não faltavam conselhos, no entanto mais pareciam cobranças, como se houvesse uma imagem a zelar: de ser humano equilibrado, iluminado, evoluído, superior ou coisa do tipo. Nessa mesma situação, vivem também muitos religiosos, e a cobrança parece ainda maior.

Talvez a abordagem mais comum do perdão seja o da necessidade ou da utilidade. Nessa abordagem, as pessoas perdoam porque faz bem à saúde física, à saúde psicológica, ao convívio social e à espiritualidade. No entanto, nessa perspectiva não há espaço para "fraqueza e gratidão", por isso os seguintes clichês ou conselhos frequentes: "você pode"; "o importante é o futuro e não o passado"; "bola pra frente"; "deixa pra lá"; "esquece isso"; "não vai te fazer bem"; "isso não é exemplo de" etc. 

E a perspectiva cristã do perdão é baseada num caminho de fraqueza e gratidão. E não há como passar por ela simplesmente ouvindo ou lendo este texto. Nesse caminho a fraqueza é o primeiro destino, e a gratidão o último, antes do perdão. E passar pelos dois é abandonar certos conceitos. 

Uma delas era o conceito de maldade, tida por muitos, como um erro, devido, por exemplo, a baixa evolução do espírito ou da alma. Razão pela qual também não se falava tanto em culpa, mas em esclarecimento. Todavia, nas palavras de André Comte-Sponville, "o mal não é um erro (...) Ninguém é mau involuntariamente, e apenas os maus podem depender do perdão". E ele continua: "quer o mau tenha escolhido livremente sê-lo, quer tenha se tornado mau necessariamente (devido ao seu corpo, à sua infância, à sua educação, à sua história…), não é menos mau por isso, em todo caso é responsável por seus atos, pois agiu voluntariamente". E completa: "desculpa-se o ignorante, mas perdoa-se o mau", pois o "mal está na vontade, não na ignorância".

Por essa razão, através da fraqueza em perdoar foi possível conhecer a verdade do evangelho a respeito do pecado na vontade humana: "Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero esse faço. Ora, se eu faço o que não quero, já o não faço eu, mas o pecado que habita em mim." (Romanos 7:19-20). Tanto que outros textos bíblicos reforçam essa mesma verdade: "Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus. Porque a lei do Espírito da vida, em Cristo Jesus, te livrou da lei do pecado e da morte” (Romanos 8.1,2); "E dar-vos-ei um coração novo, e porei dentro de vós um espírito novo; e tirarei da vossa carne o coração de pedra, e vos darei um coração de carne (Ezequiel 36:26).

Deixado esse conceito para trás, a gratidão começou a surgir no horizonte, principalmente quando outro conceito também foi deixado de lado: a filiação natural com Deus, comentada em outro postagem. Nesse conceito popular, todo ser humano é naturalmente filho de Deus. E aí, é fácil perceber o quanto as pessoas possuem dificuldades para compreender a extensão da misericórdia divina, porque simplesmente desconhecem ou ignoram que os salvos em Jesus Cristo recebem a adoção de Deus: "Porque não recebestes o espírito de escravidão, para outra vez estardes em temor, mas recebestes o Espírito de adoção de filhos, pelo qual clamamos: Aba, Pai." (Romanos 8:15).

"Deus não somente nos perdoa, como também nos adota" - Max Lucado.

Entendido a maldade não como erro, a vontade corrompida pelo pecado e a filiação com Deus por meio da adoção, chega-se ao entendimento correto da gratidão, porque na verdade o perdão definitivo dos pecados (a salvação) não chega para quem tem a "centelha divina" (logo tem capacidade), para quem errou (logo precisa de esclarecimento), para quem merece (logo precisa de um exemplo), pois, nas palavras do apóstolo Paulo, "não por causa das obras, mas por aquele que chama" (Romanos 9:11); "Compadecer-me-ei de quem me compadecer, e terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia. Assim, pois, isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que se compadece" (Romanos 9:15-16).

"Portanto, em uma atitude que assombrou os céus, Deus castiga a si mesmo na cruz pelos pecados que são seus." - Max Lucado

Sem dúvida nenhuma a morte de Jesus deixou um grande exemplo moral para a humanidade, no entanto, mais do que isso, ele se entregou para ser punido pelos nossos pecados (Isaías 53; 1 Pedro 2.24; 3.18; 2 Coríntios 5.21). Pela sua obra Jesus se tornou o “nosso resgate” (Mateus 20.28), quem “carregou nossos pecados” (2 Coríntios 5.21; Hebreus 7.26,27; 1 Pedro 2.24), nosso Redentor, que “nos comprou com seu próprio sangue” (Atos 20.28), o “Cordeiro do sacrifício” (João 1.29,36; Atos 8.32; 1 Pedro 1.19).

A gratidão então foi aparecendo naturalmente no decorrer dessa caminhada, pois nela também estava a verdade e a vida: "Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim." (João 14:6).

Enfim, se está sendo difícil perdoar, para um cristão é preciso redescobrir os fundamentos de sua própria fé e para quem não conhece a mensagem cristã, é possível chegar ao perdão, reconhecendo suas fraquezas, motivado pela gratidão, se experimentar o dom da salvação dado pelo próprio Deus.

Comentários

Anônimo disse…
Quando não exercitamos o perdão, tal falta de atitude negativa, deixa o outro lado, livre para fazer o mesmo, pois aquilo que quero para mim, logo tenho que passar adiante.

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