Uma lição ética de Aristóteles: amigos virtuosos não se convidam.


"Queixas e recriminações ocorrem unicamente ou principalmente nas amizades basadas na utilidade, como é de se esperar. Numa amizade baseada na virtude, cada uma das partes anseia por beneficiar a outra, uma vez que é isso que caracteriza a virtude e a amizade; e na medida em que rivalizam entre si outorgar benefícios e não em os obter, não é possível que surjam queixas ou desentendimentos, visto que ninguém se zanga com aquele que o ama e o beneficia, mas, ao contrário, se é uma pessoa de bons sentimentos, retribuirá com préstimos. E um indivíduo que supera o outro na prestação de benefícios não terá nenhuma queixa de seu amigo, posto que ele obtém o que deseja, e o que todo homem deseja é o bem" (p. 259).

"Conclui-se que seria de bom alvitre mantermos nosso interesse quanto a convidar nossos amigos para que compartilhem de nossa boa fortuna (já que é nobre conferir benefícios), mas que devemos relutar em convidá-los para virem até nós no nosso infortúnio (já que devemos transmitir aos outros o mínimo possível do que é mau, e daí o provérbio "meu próprio infortúnio é o bastante"). Deveríamos convocar nossos amigos para que nos ajudem mormente quando poderão muitos nos servir com pouco transtorno para eles próprios.

Assim, no sentido inverso, é conveniente que visitemos os atingidos pelo infortúnio sem sermos convidados e prontamente (pois é papel de um amigo servir e, particularmente, aos que necessitam, e sem que seja solicitado a servir, uma vez que a assistência assim prestada é mais nobre e mais prazerosa para ambas as partes); no tocante aos prósperos, ainda que devamos auxiliá-los prontamente (pois mesmo a prosperidade não dispensa a cooperação dos amigos), devemos demorar para visitá-los quando se trata de usufruir dos seus bens (pois não é nobre predispor-se ansiosamente a receber benefícios). Mas é inconteste que devemos ser cautelosos no sentido de não agirmos como desmancha-prazeres rejeitando suas manifestações, algo que vezes ocorre" (pp. 288, 289). 

Tenha em mente a distinção básica de três tipos de amizade: por prazer, por utilidade e por virtude (a perfeita ou melhor).

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Aristóteles (384-322 a.C.). Ética a Nicômaco. Tradução, textos adicionais e notas Edson Bini. Bauru, SP: Edipro, 2009. 3 ed.

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