Quatro cuidados básicos para não se enganar fácil pelas polêmicas "da Biologia"


Esse texto era para ser um simples comentário em uma postagem da página Biólogo no Facebook, a respeito do Criacionismo, mas como ficou longo, então fiz uma formatação aqui. Logo seguem alguns cuidados, especialmente para aqueles que estão tendo contato pela primeira vez com certos "conflitos" ou polêmicas de alguma ciência - nesse caso é o da Biologia.

1. A aculturação se diz "divulgação científica"!

Nem toda divulgação científica está preocupada com os dados da observação, mas com a continuidade de um paradigma. Talvez com o tempo ou com experiência de muitas leituras isso fica mais claro ao leigo. Pelo menos, tente ir além da notícia, direto na fonte do artigo, do livro ou do canal de comunicação do cientista. Como a maioria não tem tempo para isso, pelo menos tenha cautela, cobre uma melhor elucidação da crítica ou do conflito, citando claramente as fontes, por exemplo.

A Wikipedia, a "fonte" da postagem em questão, está no mesmo nível dos canais de notícias, logo tudo que é dito "divulgação científica" lá pode ser mera aculturação. Como saber? É preciso entender o conteúdo e a oficialidade da informação. Por exemplo, esta frase é da Wikipedia: "Thomas Samuel Kuhn foi um físico e filósofo da ciência estadunidense. Seu trabalho incidiu sobre história da ciência e filosofia da ciência, tornando-se um marco no estudo do processo que leva ao desenvolvimento científico" (http://pt.wikipedia.org/wiki/Thomas_Kuhn). Para quem leu o livro de Kuhn (1998), essa frase não apresenta problema algum (conteúdo + oficialidade ok!). 

A aculturação, na verdade, é algo próprio do paradigma científico, e não representa nenhuma novidade para quem conheceu Kuhn (1998). Mas é preciso cuidado aqui para não pegar atalhos como resumos que podem ser enganadores (resumo é a leitura de alguém). Há o paradigma popular ou cultural e há o paradigma científico - muitos resumos não fazem essa distinção! Tenho um resumo dessa obra também num portal de divulgação do Design Inteligente (DI), intitulado: Teoria do Design Inteligente é “Negacionista”?.

2. O darwinismo se diz "evolução"!

É muito comum alguns críticos ora tomar a parte pelo todo ora o todo pela parte. No caso em questão da Biologia, darwinismo ou neodarwinismo são partes (versões) de um todo chamado "evolução" (quem diz isso?). Nesse sentido, geralmente um darwinista se defende como evolucionista, quando o ataque é contra o darwinismo e não contra a evolução. E para piorar há quem acha que está criticando a "evolução" quando na verdade está criticando o darwinismo. A aculturação se aproveita muito bem dessas confusões.

Não é fácil a um leigo perceber essas coisas, pois já entra num certo vocabulário técnico da pesquisa científica, além do pano de fundo histórico. Cada termo e sua controvérsia não é vazio de história. Conheça todos os lados e vai saber melhor aonde está pisando. Isso fica muito claro com a leitura de Kuhn (1998). A postagem em questão, por exemplo, cita Richard Dawkins, Stephen Jay Gould e Neil deGrasse Tyson, dando a entender que estão defendendo a mesma coisa: a "evolução" ou "Darwin". Além disso, não cita nenhum criticado, mas coloca todos sob uma descrição genérica no início do texto. 

Uma evidência ou dica de que há possivelmente aculturação é quando não são citados os nomes daqueles que são criticados, mas são citados os nomes dos que criticam (uma boa prática retórica para continuar um paradigma). Mas só citar também não resolve, pois você pode citar alguém ou um fato sobre ele totalmente fora de contexto. "Se você não lê jornal, é desinformado; se lê, é mal informado" (frase de Denzel Washington comentando sobre atuação da imprensa nas eleições de Trump e Hillary, de que privilegiam "ser primeiro notícia" do que "ser verdadeiro"). Ironicamente isso casa com uuma fala de uma personagem dele: “Se você não for cuidadoso, os jornais farão você odiar as pessoas que estão sendo oprimidas, e amar as pessoas que estão oprimindo” (Malcolm X).

Depois desse parênteses, voltando ao ponto. Em 1986 Richard Dawkins dirigia sua crítica à "analogia do relojoeiro", teologicamente desenvolvida pelo criacionista William Paley, respondendo biologicamente com seu "O relojoeiro cego", no qual afirma: "Penso igualmente que, antes de Darwin, o ateísmo até poderia ser logicamente sustentável, mas que só depois de Darwin é possível ser um ateu intelectualmente satisfeito". Mas em 1996 aparece o bioquímico Michael Behe com "A Caixa-Preta de Darwin", criticando o darwinismo como processo lento, gradual e cego capaz de explicar toda evolução, no qual diz (na seção chamada "Aculturação"): "Numerosos cientistas duvidam que mecanismo darwinianos possam explicar todas as formas de vida, mas muitos acreditam nisso" (BEHE, 1997, p. 183).

3. Darwinista se diz rejeitado religiosamente!

É comum a alegação de que a motivação da rejeição à "evolução" é religiosa. Curiosamente o mesmo vale para quem usa a ciência para afirmar seu ateísmo. Richard Dawkins, Neil deGrasse Tyson e variados canais de divulgação são os responsáveis pela aculturação do darwinismo como "evolução", com fins de aculturação do ateísmo. Mas o Stephen Jay Gould não entra nesse jogo, porque exatamente é contra a evolução do darwinismo, ou melhor, contra o paradigma do gradualismo. Para entender melhor o problema desse paradigma, recomendo a leitura de um diálogo recente com um amigo: Diálogos de uma Caixa-Preta - I. E há também uma série de notícias sobre esse evolucionista no blog Desafiando a Nomenklatura Científica. Conheça a história! E há mais, como a The Third Way (nem DI nem darwinista).


É preciso o cuidado em separar as coisas, pois até tem criacionista se dizendo aceito religiosamente pelo DI (outra contradição em termos).

4. Dizem que agente inteligente é "agente sobrenatural"!

Um ponto problemático aqui é confusão na ordem da inferência, que se for científica, a observação é primária, mas se for religiosa, a observação é secundária. Sabendo essa distinção, é uma contradição em termos metodológicos, uma abordagem religiosa rejeitar uma abordagem científica e vice-versa. É falta na verdade de equilíbrio metodológico a quem faz esse tipo de conflito ou a quem mistura as coisas.

A partir da FAQ do blog de Michael Behe, sabe-se que o Design Inteligente não pode ser um ramo do Criacionismo, ao contrário do que coloca a postagem (a Wikipedia), porque a ordem da inferência é diferente:
  • Criacionismo
    • Fundamentado na fé e se move "para frente": isto é, assume afirmações e aceita algo sobre Deus e o que ele tem a dizer sobre as origens; então intepreta a natureza nesse contexto. 
    • Ex: Medievais como Tertuliano, Agostinho, Boaventura, e Anselmo pensavam assim.
    • Designer: God.
    • (Tipo: Teologia ou "Ciência" da Criação)
  • Design Inteligente (DI)
    • Empiricamente fundamentado e se move "para trás": isto é, observa alguma coisa interessante na natureza (complexidade irredutível, informação especificada) e então teoriza e testa caminhos possíveis de como vieram a ser.
    • Ex: Aristóteles
    • Designer (agente inteligente): God, algum princípio imanente ou lei da natureza (!)
    • (Tipo: Ciência de Detecção)
Behe (p. 241) fala um pouco sobre o uso apelativo do termo "sobrenatural", para criticar o uso de "inteligência superior". Novamente o recurso à confusão do todo-parte. Mas a sensação que muitos costumam ter de que DI é um tipo de Criacionismo se deve a uma das possibilidades do Designer. Porém é bom lembrar que o Designer é por definição a contrapartida do acaso (ou um ou outro), a partir das observações. Por definição, o acaso é a ausência de explicação, isto é, ignorância. Logo um Designer também pode ser a razão do acaso, e afirmar o contrário (excluindo sua possibilidade) é assumir uma postura não-científica.

É preciso entender, e não há espaço aqui para isso, que a estrutura de uma teoria científica, como a do darwinismo depende da mutação e da seleção natural, enquanto a do DI depende da complexidade irredutível e a informação especificada. Ambos tentam explicar a evolução com ferramentas distintas na mesma ordem de inferência.

Referências

BEHE, Michael. A Caixa-Preta de Darwin: o Desafio da Bioquímica à Teoria da Evolução. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.
KUHN, Thomas s. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Editora Perspectiva S.A, 5ª edição, 1998.

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