Lula, redes sociais e Sellars


(Direto do Facebook).

Sellars: “agarrar um conceito é dominar o uso de uma palavra” (BRANDOM, 2000, p. 6).
O que vou falar tem muito haver com o que aconteceu ontem, especialmente aqui nas redes sociais, nos variados gestos (!) afirmativos e negativos, de apoio e repúdio a #Lula, com charges, xingamentos, indiretas etc. Já falei sobre isso em outros momentos, em algumas postagens, mas volto a reforçar algo sobre os nossos "movimentos discursivos". A proposta aqui é expressiva ou elucidativa da natureza de nossos "gestos", não do seu mérito, se bom ou ruim. Alguns desses gestos são "Lula Livre!", "Esquerda fede!", "Não tenho político de estimação!", "Isentão!", "Defendo o pobre!", "Você defende o rico!" etc. E também vão entender o quão é difícil para mim me expressar por aqui sem o receio de perder preciosas amizades.
Um #gesto é uma #expressão. Nos casos mais simples (!), o gesto esgota um conteúdo ("uma cara de tristeza"). Até houve uma tradição que entendia o gesto externo como uma trans-formação ou significando o sentimento interno. Essa era tradição romântica do expressivismo (BRANDOM, 2000, p. 45).
Entre 1950 e 1970, ocorre, na filosofia, a virada pragmática (SELLARS, 2008, p. 13), na qual se passa a adotar a ideia de que toda linguagem é um jogo, de modo que enunciações verbais são “lances” ou “jogadas”, e o significado de uma palavra já não é mais um ente mental, um objeto denotado ou um objeto especial, mas a ação linguística do uso (PENCO, 2006, p. 135, 137). Brandom (2000, p. 11) estende aquele slogan de Sellars, para dizer que agarrar o conceito é dominar seu uso especificamente inferencial. Um conceito utilizado assim inferencialmente é um conteúdo a ser expresso de uma tal forma, que pode servir tanto para oferecer razões como para solicitar razões.
A expressão que "serve para" (oferecer ou solicitar razões) é a expressão que "movimenta o jogo" (das razões), de explicitação do conteúdo, em torno de um conceito. A expressão não reflete o conteúdo, como na tradição romântica, mas "movimenta o placar" em torno de seu (auto)entendimento. É caminhando por esse jogo que alguns tomam autoconsciência de suas próprias incoerências ou convicções.
Para caminhar no jogo da #linguagem, da #autoconsciência coletiva, é preciso interação discursiva, após os gestos (!). E eis o problema (bem anterior ao controle das paixões na necessidade de termos boas conversas): no encanto romântico do gesto verbal, aumentamos mais ainda as distâncias uns com os outros, mesmo quando todos expressam o mesmo gesto de "Justiça!". Isso ontem ficou bem claro.
#Filosofia buscava, em sua origem, elucidar os compromissos auxiliares em torno dos gestos verbais. Até chegou a criar a Lógica, para "computar", de modo expressivo, a autoconsciência semântica de nossas afirmações. Porém a metáfora filosófica, por muito tempo, para entendimento foi "ver" (um conceito) e não "agarrar". A primeira metáfora permite um distanciamento, mas a segunda requer aproximação, com o mundo, no qual somos parte.
Em parte honro Lula, em parte não. Nem tudo que falo esgota isso. É preciso bem mais interação para me entender. Por isso, não consigo julgar o que outros dizem, muito menos xingar, fazer piadas, generalizar...
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PENCO, C. Introdução à Filosofia da Linguagem. Petrópolis: Vozes, 2006. 
SELLARS, W. Empirismo e filosofia da mente. 1. ed. [s.l.] Vozes, 2008. 
BRANDOM, R. B. Articulating Reasons: an Introduction to Inferentialism. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 2000.

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