A Razão da Justificação pela Fé Somente


Vamos andar por um caminho de descobertas através do conhecimento da justificação pela fé somente. Isso porque muitas pessoas, inclusive cristãos, não conhecem bem as implicações dessa doutrina cristã.

“Propôs também esta parábola a uns que confiavam em si mesmos, crendo que eram justos, e desprezavam os outros: Dois homens subiram ao templo para orar; um fariseu, e o outro publicano. O fariseu, de pé, assim orava consigo mesmo: ó Deus, graças te dou que não sou como os demais homens, roubadores, injustos, adúlteros, nem ainda como este publicano. Jejuo duas vezes na semana, e dou o dízimo de tudo quanto ganho. Mas o publicano, estando em pé de longe, nem ainda queria levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: ó Deus, sê propício a mim, o pecador! Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele; porque todo o que a si mesmo se exaltar será humilhado; mas o que a si mesmo se humilhar será exaltado” [Lucas 18.9-14].

Para entender bem essa narrativa, primeiro devemos derrubar uma imagem pré-concebida comum dos fariseus como hipócritas, num sentido de não serem sinceros no que dizem fazer. E os fariseus e escribas não eram os tais hipócritas judeus? Eram, mas não nesse sentido popular.

Aliás, é o mesmo erro cometido com o sentido popular da palavra maquiavélico: um ato maléfico em si. O sentido real e original (político) era um ato – considerado maléfico segundo a moral vigente da época (moral católica medieval) – praticado por um governante ou príncipe em benefício da comunidade de seu Estado.

Mas aquela narrativa bíblica não está mostrando um fariseu exagerando ou contando uma mentira. Aliás, a denúncia de Jesus quanto à hipocrisia dos fariseus (em outras passagens) era num sentido de cometerem um engano quanto à maneira de se acharem justos. Ora, a narrativa apenas mostra o esforço que o fariseu teve em alcançar ou conquistar o favor de Deus em sua justificação, para isso luta em viver um padrão moral acima dos outros homens, procurando não errar em nada.

Nesse sentido para os dias atuais a primeira narrativa poderia substituir o fariseu por santos católicos como Francisco de Assis ou a madre Teresa de Calcutá. Dois exemplos de pessoas que buscavam viver um padrão acima dos outros, sacrificando a própria vida em favor dos outros, buscando o bem em seu maior extremo. Nossa prática moral nem chega perto da deles! Aliás, Agostinho dizia que melhores que ele foram para o inferno!

Essa comparação é apenas para dar uma idéia do ponto principal aqui: não adianta confiar nossa justificação (sermos considerados justos, limpos, inocentes perante uma lei) em nossa prática moral, por mais alta que possamos chegar. Então devo praticar imoralidade porque não adianta de nada ter alguma moral? De forma nenhuma, apenas essa não é a questão.

A narrativa apenas quis mostrar um pensamento que era comum entre os fariseus e que muito persiste nos dias atuais: nivelar o padrão moral de Deus pelo padrão mais alto conhecido entre os homens. Isto é, como praticamos o padrão mais alto, então é o padrão aceito por Deus. O erro é colocar os maiores praticantes da lei (de Deus) como suficiente (aceitável) ao próprio Deus.

Na prática, existem vários padrões “mais altos”, em que cada um acha o seu padrão o suficiente para Deus, por causa da existência de outros piores. Eles se revelam no dia-a-dia da seguinte forma: “pratique o bem”, “ame ao próximo”, “não mate”, “não faça mal aos outros”, “faça caridades”, “ame sua família” entre outros. Provavelmente aquele fariseu vivia esse padrão e por isso se considerava uma pessoa boa, justa. Mesmo assim ele tinha um problema: não estava justificado para Jesus. E agora? Se faço o mesmo, preciso fazer mais ou abandonar tudo?



“Pois eu vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus. Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás; e, Quem matar será réu de juízo. Eu, porém, vos digo que todo aquele que [sem motivo] se irar contra seu irmão, será réu de juízo; e quem disser um insulto a seu irmão será réu diante do sinédrio; e quem lhe disser: Tolo, será réu do fogo do inferno. (...) Ouvistes que foi dito: Não adulterarás. Eu, porém, vos digo que todo aquele que olhar para uma mulher para a cobiçar, já em seu coração cometeu adultério com ela. (...) Ouvistes que foi dito: Olho por olho, e dente por dente. Eu, porém, vos digo que não resistais ao homem mau; mas a qualquer que te bater na face direita, oferece-lhe também a outra; e ao que quiser pleitear contigo, e tirar-te a túnica, larga-lhe também a capa; e, se qualquer te obrigar a caminhar mil passos, vai com ele dois mil. Dá a quem te pedir, e não voltes as costas ao que quiser que lhe emprestes. Ouvistes que foi dito: Amarás ao teu próximo, e odiarás ao teu inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai aos vossos inimigos, e orai pelos que vos perseguem; para que vos torneis filhos do vosso Pai que está nos céus; porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons, e faz chover sobre justos e injustos. Pois, se amardes aos que vos amam, que recompensa tereis? Não fazem os publicanos também o mesmo? E, se saudardes somente os vossos irmãos, que fazeis demais? Não fazem os gentios também o mesmo? Sede vós, pois, perfeitos, como é perfeito o vosso Pai celestial” [Mateus 5.20-48].

Essa segunda narrativa resolve o dilema da primeira narrativa. Veja que ela já começa dizendo que se não ultrapassarmos em muito o padrão mais alto conhecido entre os homens (a dos fariseus e dos escribas) não seremos considerados justos. Na verdade Jesus colocou os seus ouvintes num beco sem saída. Já era difícil viver um padrão como aquele, pior seria ultrapassar em muito tal padrão. Humanamente impossível! Então Jesus começa a exemplificar o que é ultrapassar em muito tal padrão com exemplos como o adultério até por fim mostrar a causa disso tudo: “Sede vós, pois, perfeitos, como é perfeito o vosso Pai celestial”. Este é o ponto crucial para Cristo e fatal para nós: a perfeição.


Qualquer padrão moral que passarmos a viver deve ser perfeito para ser aceito por um Deus perfeito. Se nos achamos bons, caridosos, amáveis, amigos, fieis, íntegros, trabalhadores, devemos sê-lo sempre a todo instante, a toda circunstância, em todos os dias, meses e anos e para com todos. Não importa se você relativa a sua moral, se há alguma, então você deve ser perfeito nela para ser considerado justo.

Ora, ser bom não é estar bom, porque para ser bom é necessário estar perfeitamente bom. Ser algo é estar perfeitamente esse algo. Logo ser justo é estar perfeitamente justo, seja nessa vida inteira ou em próximas, se existirem. Quando se é perfeito não existe padrão mais alto ou mais baixo, logo se reencarnações ou purgatórios objetivam nos tornarem perfeitos é porque este “perfeito” é apenas um padrão mais alto. Não deixou de ser imperfeito, apesar de aparentar para nós perfeição. Ser perfeito é ser incapaz de ser imperfeito.

E agora? Como podemos sair dessa situação? Como podemos pagar essa dívida com nossas obras se cedo ou tarde pecamos em algum momento da nossa vida?




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1. A Marca da Vitalidade Espiritual da Igreja: Justificação Pela Fé Somente. Autores: RC Sproul; John Marcarthur, Jr; Joel Beeke; John Gerstner; John Armstrong. Editora: Cultura Cristã.

Comentários

Aislan Fernandes disse…
Texto revisado e corrigido.

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