Entendendo Diferenças Religiosas - III

Agora vejamos um comparativo entre Protestantismo e Espiritismo com relação ao ponto Evolução Espiritual.

1.

Evolução Espiritual
Protestante
Espírita
1
Todos podem evoluir?
Sim.
Sim.
2
Depende de quê?
Da natureza da liberdade moral.
Do conhecimento (moral e intelectual) aprendido.
3
Qual visão filosófica envolvida?
Aristotélica.
Socrática.
4
Qual natureza de liberdade considerada?
Verdadeira liberdade.
Livre-arbítrio.

A questão da evolução espiritual entre o protestantismo e o espiritismo é na verdade um problema de discurso religioso, como veremos. Isto é, é comum um espírita enfatizar esse ponto como se tal assunto não existisse em doutrinas tradicionais como a protestante: “Introduz o novo conceito de evolução espiritual, onde cada um é o responsável direto pelo seu próprio crescimento, e ao mesmo tempo há uma co-responsabilidade pelo crescimento de todos, a fraternidade universal”[1]. Mas mesmo entre espíritas a idéia de evolução espiritual não é exclusiva: "Todas pretendem a mesma coisa: a evolução espiritual. Todas pregam a mesma coisa: a prática do bem. Todas condenam a mesma coisa: o exercício do mal.”[2].

Basicamente a diferença no conceito de evolução está nas motivações e os meios para alcançar essa evolução espiritual. A finalidade é a mesma para ambos.

Os meios no espiritismo são as várias reencarnações, que por sua vez é baseada na idéia socrática de conhecimento. Por meio das reencarnações se consegue viver um maior número de experiências e adquirir conhecimentos que numa vida seria impossível. Entretanto devemos frisar que a reencarnação é uma condição necessária e não a causa direta da evolução, isto porque no fim das contas é o próprio homem, no uso de seu livre-arbítrio, independente das oportunidades dadas por Deus, que decide pelo crescimento ou não em cada reencarnação: “só depende do próprio homem, por seus pensamentos e ações no uso do livre-arbítrio.”[3] Aliás, no hinduísmo reencarnação não está associada com evolução – uma idéia ocidental – porém com um eterno retorno. E para reforçar a idéia da reencarnação como não determinante em si da evolução, temos uma corrente espírita (MacGregor) defendendo que quem não quer evoluir não quer o dom de existir e por isso pode não mais existir depois de incontáveis reencarnações: “ser extintas, desaparecendo gradualmente da existência”[4].

O conceito socrático de conhecimento é o que impulsiona a necessidade das reencarnações. Esse conceito diz que o aprendizado de novos conhecimentos morais e intelectuais implica em menos faltas, isto é, conhecimento implica em virtude. Na medida em que o espírito começa a tomar consciência por meio dos conhecimentos adquiridos das conseqüências de suas ações então passará a evitar as más ações. Quando o espírito passar a entender o quanto é ruim matar, seja por uma experiência semelhante já vivida ou pelo exemplo de outro, deixará de matar – as reencarnações aqui são essenciais para acontecer o aprendizado. Por esse motivo Jesus não pecou. Ele tinha plena consciência de todas as conseqüências de suas ações. Sabia quando uma ação seria má e por isso não a faria.

As motivações no espiritismo são basicamente o seguinte tripé: a teoria da Evolução das Espécies, Jesus como uma criatura divina que alcançou a perfeição moral e espiritual – “cremos em Jesus, seu filho assim como nós, divino sim”[5] – e a Lei da Causa e do Efeito. A Lei da Causa e do Efeito é semelhante a uma doutrina de salvação pelas obras, isto é, seu futuro num mundo espiritual depende de seus atos na vida presente. Aquele que espalha amor nessa vida certamente terá uma situação bem melhor no mundo espiritual do que aquele que não faz nada. Jesus é Salvador também, mas num sentido diferente: “A salvação em Jesus como transformação do homem. (...) Que a salvação proferida, está no sacrifício de Jesus, mas não pelo sangue derramado, e sim pelo exemplo registrado.”[6]. Isto é, Jesus é Salvador no sentido de catalisador (guia-exemplo-modelo) da salvação que cada um alcança mediante sua própria evolução. Salvação significa não precisar mais evoluir, salvar-se ou libertar-se das evoluções, por conseguinte, libertar-se das reencarnações. A teoria evolucionista seria usada como analogia para a evolução espiritual, entretanto apenas analogia, porque enquanto a evolução natural das espécies é regida por leis naturais, a espiritual é regida pessoalmente por cada um no uso de seu livre-arbítrio. É, portanto, uma opção para cada espírito e “lei” apenas no sentido de uma finalidade que deveria acontecer.

2.

A razão de no protestantismo não haver um discurso de evolução espiritual é porque as motivações e os meios para alcançá-la são obviamente bem diferentes do espiritismo. Os pressupostos não determinam apenas a formação de uma doutrina, mas obviamente um discurso e uma prática, por conseguinte.

É importante separarmos bem a idéia de evolução espiritual e moral. A primeira pode implicar numa mudança física da pessoa – seu “corpo” adquire habilidades para conviver em diferentes ambientes (mundo espiritual e mundo natural) ou faixas vibratórias. A segunda numa mudança de caráter. No espiritismo a mudança espiritual acompanha a mudança moral e intelectual. No protestantismo a mudança espiritual acompanha a natureza da liberdade moral, independente do crescimento moral e intelectual. No protestantismo a natureza da liberdade moral das criaturas racionais tem uma história, que por sua vez possui fases [11]. A existência de cada fase apenas depende de Deus e não do homem. Por essa razão não se fala em evolução espiritual, apesar de haver. Logo o discurso passa a ser a evolução de caráter. Não vamos entrar no mérito de como cada um incentiva o crescimento de caráter, pois foge ao foco presente, e nem da natureza da liberdade moral (ver referência).

Para o protestantismo se fosse possível alguém reviver várias vidas, independente se por meio de reencarnações ou não, crescer em conhecimento não implicaria necessariamente em crescimento moral. Isto é, o conhecimento do bem e do mal não leva necessariamente a que uma pessoa escolha o bem e não o mal – concepção aristotélica. Logo, podemos saber as conseqüências de certos atos, mas mesmo assim fazê-los. Porque exatamente não depende apenas do conhecimento, mas da natureza da liberdade moral. Aliás, para Comte-Sponville só existe verdadeira maldade quando se tem consciência da possibilidade do resultado, do contrário seria apenas um erro ou defeito: “O mal está na vontade, não na ignorância. No coração, não na inteligência ou no espírito. No ódio, não na tolice. O mal não é um erro (...) Ninguém é mau involuntariamente, e apenas os maus podem depender do perdão.”[7].

Como no espiritismo a maldade é tida como um erro, devido a baixa evolução do espírito, eis a razão de os espíritos serem criados “simples e ignorantes”[8] e por isso a probabilidade de “maldades” serem maiores nesse estado incipiente de evolução. Por isso também não se fala tanto em culpa, mas em esclarecimento do espírito.

Já no protestantismo quando a maldade é tida como resultado da vontade, admite-se então a possibilidade de o homem ter sido criado já maduro, com inteligência e moralidade já formadas: “Adão foi criado em um estado de retidão. Retidão é um estado mais alto do que a inocência (...) A inocência não descreve suficientemente a condição de retidão de Adão. A retidão original consistia de qualidade positivas. As qualidades intelectuais e morais positivas de Adão antes da queda foram manifestas em sua habilidade para nomear os animais (Gênesis 2:20) e em sua comunhão com o Criador (Gênesis 2:15-25).”[9]. Por isso também se fala em culpa e a necessidade do arrependimento para recebimento do perdão.

No protestantismo, embora alguém tenha muita ciência, a condição necessária (não determinante em si) para o pecado é a natureza da liberdade presente, tanto que Adão estava numa situação bem mais privilegiada do que Jesus e ainda assim pecou: “Onde Adão contemplou uma paisagem de luxo floral. Jesus contemplou uma pilha de rochas. Jesus estava completamente sozinho. Adão foi testado quando usufruía da ajuda e encorajamento de uma companheira que Deus tinha criado para ele. Em meio à comunhão humana, e, de fato, em meio à intimidade, Adão foi testado. Na agonia e privação da comunhão humana, Jesus foi submetido a teste.”[10]. Já no espiritismo a condição necessária para o erro é a ignorância (também científica) das conseqüências dos atos, por isso Adão como uma criatura que surgiu com base na teoria da Evolução provavelmente não tinha muita ciência dos seus atos.

3.

1. Artigo eletrônico da Internet. Endereço: http://www.espirito.org.br/portal/artigos/diversos/religiao/igrejas-reformadas.html.

2. Artigo eletrônico da Internet. Endereço: http://www.espirito.org.br/portal/artigos/diversos/religiao/para-que-serve-a-religiao.html.

3. FONSÊCA, Ribamar. 2000 Anos Depois…Editora DPL. pg. 22.

4. GEISLER, Normam L, AMANO, J. Yutaka. Reencarnação. Editora Mundo Cristão. pg. 110.

5. Artigo eletrônico da Internet. Endereço: http://www.espirito.org.br/portal/artigos/diversos/religiao/a-biblia-eh-a-palavra-de-deus.html.

6. Idem.

7. André Comte-Sponville. Pequeno Tratado das Grandes Virtudes. Ed. Martins Fontes, São Paulo, 1999. Tradução de Eduardo Brandão. Cap. 9 – A misericórdia.

8. Resposta dada à questão 133 no “O Livro dos Espíritos”.

9. Artigo eletrônico da Internet. Livre Graça VERSUS Livre-Arbítrio. W. E. Best. Endereço: http://www.monergismo.com/textos/livros/livre_graca_best.pdf

10. SPROUL, R. C. Discípulos Hoje. São Paulo: Cultura Cristã.

11. Artigo eletrônico da Internet: A Liberdade Humana. Rev. Gildásio Reis. Endereço:
http://www.monergismo.com/textos/livre_arbitrio/liberdade_gildasio.htm.

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