Santo, Santo, Santo

Um homem estava em dúvida a respeito de um ponto que seu professor de matemática elaborou, que era a seguinte pergunta: “Quando retiro os números pares de um conjunto infinito de números (naturais) estou retirando a metade dos números desse conjunto infinito?” Já sua filha de seis anos estava pensando sobre como ela veio ao mundo, e seu pai explicou da seguinte forma: “Eu e sua mãe gostávamos muito um do outro e pedimos ao amor para te criar e um dia você apareceu e foi crescendo dentro da barriga dela até sair”. Na primeira situação aquele homem não consegue afirmar coisa alguma porque não é (conhece) infinito para assegurar sua resposta. E a menina se sente aliviada com a explicação antropomórfica do pai, que não é exaustiva, mas é verdadeira.

Geralmente quando pensamos em santidade logo vem a nossa mente a idéia de moral, ética ou retidão. E por isso muitos pensam ser Deus, o Deus do cristianismo (judaísmo), uma criação humana para a Igreja ter poder sobre os homens. Contudo, independente disto, na Bíblia apenas uma palavra é referenciada a Deus três vezes sucessivamente: santo. Este tipo de repetição significa elevá-lo ao grau de superlativo. Interesse é que esta repetição não ocorre com a palavra amor, justiça, conhecimento... Assim diz as Escrituras: “Não há santo como o SENHOR, porque não há outro além de ti” (Salmos 2.2). Quando falamos que Deus é Santo dizemos que Ele está além dos limites comuns, além do que podemos conhecer ou conceber, além do que podemos formalizar ou raciocinar como seres finitos.

Quando se fala em ira de Deus geralmente há um ar de ceticismo porque se conclui ser a ira um sentimento humano que Deus não poderia “sentir” ou ter por se tratar de um Ser infinito, perfeito, absoluto, imutável... É verdade! Porque a forma como Deus se revela a nós é verdadeira e não exaustiva, porque Ele é Santo, Santo, Santo. Se Ele “sente” ou derrama Sua ira não é da mesma forma como a nossa, entretanto Ele revela a nós essa ação de uma forma que entendamos ser uma ação de ira, para agirmos conforme fosse uma ação de ira.

Ora, a nossa ira é normalmente fruto de uma mágoa, raiva descontrolada devido a uma ofensa que nos tenha prejudicado, modificou o nosso estado atual, nos tornou instáveis ou até mesmo descontrolados. E por nossa ira nós buscamos (e muitas vezes não conseguimos) de volta nosso
estado de espírito anterior prejudicado por uma determinada ofensa. E essa busca pode ser efetuada por meio da justiça praticada sobre quem nos ofendeu ou por mero esquecimento nosso ou por perdão. Mas a ira de Deus não é assim, porque Ele não se prejudica e nem fica instável. Pois o importante ou concebível ou necessário saber é que “do céu é revelada a ira de Deus contra toda a impiedade e injustiça dos homens” (Romanos 1.18) de forma a nos mantermos justos.

Aquela menina se sentiu aliviada com a explicação do pai, porque este a explicou, limitado contudo verdadeiro, de forma que a deixasse aliviada. O importante ou concebível ou necessário era manter a relação entre eles e não explicar a natureza dessa relação, não porque é errado procurar entender tal relação, entretanto porque é tolice não reconhecer nosso limite e se deixar ofuscar por revelações antropomórficas de Deus na Bíblia à humanidade e não perceber a relação de graça existente ali.

Jó, personagem da Bíblia, foi um homem que conheceu essa relação de graça, mas não foi de uma forma fácil. Isto porque, apesar de ser um homem que seguia os mandamentos, aprendeu como Deus e suas ações estão num patamar de conhecimento acima da mente humana, acima de seu padrão de entendimento, de crenças ou de valores. Não é difícil encontrarmos pessoas assim. E somos todos passíveis desta tendência. Jó era um homem que não praticava injustiças e fazia caridades e não estava entendendo porque tantas desgraças estavam acontecendo em sua vida: perdendo a família, seus bens, sua saúde e por fim a desconfiança de seus amigos. Seus amigos acreditavam que ele havia feito algo de errado para está assim, sofrendo ou sendo castigado. Este era o entendimento de justiça divina de seus amigos. Depois de tanto sofrer das desgraças acometidas e das acusações de seus “amigos” Deus se revela aos questionamentos de Jó, fazendo vários questionamentos também, como “Onde estavas tu, quando eu lançava os fundamentos da terra?”, “Sabes tu as ordenanças dos céus, ou podes estabelecer o seu domínio sobre a terra?” ou poderíamos dizer em outras palavras: “Conhece a profundeza do Sol ou a dimensão do Universo? Ou todos os números pares de um conjunto infinito?”.

Em nenhum momento Deus dá explicação de suas ações. Ao final, Jó percebe a intenção daquelas perguntas e redescobre quem é (seu) Deus: “Com os ouvidos eu ouvira falar de ti; mas agora te vêem os meus olhos. Pelo que me abomino, e me arrependo no pó e na cinza” (Jó 42.5, 6). Jó havia percebido a relação de graça entre Deus e suas criaturas. Jó não se deixou enganar pelas fábulas atrativas de seus amigos pois Deus – não se deixando ofuscar pelas ações antropomórficas – não é criação humana, porque “os costumes dos povos são vaidade; pois cortam do bosque uma madeira, obra das suas mãos do artifício, com machado, com prata e com ouro o enfeitam, com pregos e com martelo o firmam, para que não se movam. São como a palmeira, obra torneada, mas não podem fazer mal, nem tão pouco tem poder de fazer bem” (Jeremias 10. 3-6).

Deus não é obrigado a se revelar a nós diante de tudo que nos acontece, contudo graciosamente se revela e revela a falsidade de nossos deuses particulares de estimação que tanto nos agarramos para termos segurança e paz. E na pessoa de Jesus Cristo Ele revela coisas ainda
maiores.

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