Mais um dia mau

De novo! De novo! Não agüento mais. Por quê não agüentei? Por quê não sair rápido? É sempre assim. Queria não existir neste momento. Que nojo! Nem acredito que fui eu que fiz isso. Pensamentos de Reséquio. Duros pensamentos que o perseguem como as ondas do mar em suas semanas. Semana. Seqüência de dias maus. Dia. Batalha dura de se vencer.

Era mais um dia para Reséquio. Um dia de estudo. Um dia em casa só. Televisão. Inseparável travesti. Sempre um diurno informante, e à noite é sua perigosa prostituta. Computador. Ferramenta de trabalho, sustento diário, perigoso, sutil, esconde hábitos terríveis. Esconde os fósseis da queda quase que eternamente semanal de Reséquio. E não deixa também de ser a chave de acesso às cavernas escuras, sombrias desses fósseis. Banheiro. Canto refrescante, tranqüilizador. Consumador da queda. Tortura dialética. Limpeza diária, impureza na alma. Cama. Descanso metabólico. Momento das criações infernais. Fábrica de maquinações perigosas, sonhos proibidos. Dinheiro. Remuneração, instrumento de felicidade, entretenimento, de engano, de destruição, de culpa, de ressentimento. Não pode ver uma paisagem humana. Quer comprá-la.

Ressentimento. Reséquio. Ele vive num lar inimigo, numa sociedade inimiga, numa sobrevivência inimiga. Numa vida inimiga?

Não pode ser assim. Será que é assim? Mas é tudo uma mentira? Acreditei numa mentira? Perecerei eternamente há pouco se morrer? Tanta luta e alguns segundos me condenarão? O sangue é tão forte assim? E amanhã? E a próxima semana? Não dá mais para viver assim? Eu vivo assim? Reséquio começa a questionar. Sabedoria? Seu ressentimento deu lugar a dúvida. Não será finalmente um momento de libertação? Não estará ele descobrindo uma moral aprisionadora? Suas virtudes estarão matando a vitalidade? Não será ele criador da moral? Será a moral maior que a existência?

Reséquio estava se vendo no chão de joelhos antes do delito. Era uma tentativa de vencer, de resistir o dia mau. Queria estar lendo a Revelação, refletindo. Queria. Não queria entrar numa torturante masmorra para se encher de impureza. Queria entoar cantos de louvor numa água purificadora. Usar sua ferramenta de sustento, de entretenimento ouvindo cânticos de louvor ao Cordeiro. Somente verificar as notícias diárias e se encher de táticas informações e dormir cedo, não deixando a prostituta entrar em seu lar. Lar habitado de anjos e espírito santificador.

Nesses últimos três meses Reséquio passou a viver uma batalha inerente. Ele não era assim. Havia uma liberdade e uma vitalidade transcendente. Incompreensível aos olhos externos e incrédulos. Uma batalha de vitória escrita dúbia. Vitória já escrita em sangue e contrariada em sentimentos. Sentimentos nascidos de entes diários, constantes, castradores, e necessários.

Ele está agora sendo sincero. Sua sinceridade, contudo, o está afastando de suas virtudes cridas. O dia é mau. Não a semana, não o mês, não o amanhã. Hoje o dia é mau. Sua mente está vazia, não mais controla seu corpo. Suas pernas não obedecem e se desfalecem no chão. Está de joelhos. Seu corpo se inclina em humilhação. Sua fé é maior que os seus sentimentos. Seus sentimentos esperados, quebrantamento, choro, lágrimas, vontade já cansaram, já não influenciam, já não existem mais. E agora, o que resta? 

Fé. Fé no sangue. Fé na promessa do poder e da purificação do sangue do próprio inspirador de santidade, do Cordeiro, do fiel Deus-homem.

Reséquio, apelido dados pelos colegas de faculdade pela sua fisionomia triste, calada, cabisbaixa nesses últimos meses.

Sua vitalidade voltou, sua força está em seus olhos. Liberdade está em suas atitudes. Cama. Doce cama. Hora de dormir. Amanhã é um outro dia, mau, para Emanuel.

Comentários

Aislan Fernandes disse…
Texto revisado e corrigido.

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