A ofensa do ofendido



Era tarde da noite. Dois amigos estavam discutindo assuntos interpessoais. Um usava xingamentos (“seu bosta”; “seu merda”) e ameaçava bater no rosto do outro, teoricamente um dos seus melhores amigos. A ofensa começava. Este outro antes havia questionado se o amigo tinha algum problema psicológico, provável razão da reação do amigo, e em momento nenhum usou de palavras torpes e agressões como o ofensor amigo. Qual era a maior ofensa? Questionamento constante (indignação) de Justiniano nos dias seguintes.

Por que não posso pagar pelos meus pecados? Por que esse Deus (cristão) castiga eternamente um ser tão sofrido como o homem por uma vida tão passageira de pecados? Aliás, por que uma pena num tempo infinito por causa de um delito finito? É muita injustiça ou dogmatismo fanático desses religiosos. Como não usam a razão para descobrirem isso? Devemos pagar, purgar evolutivamente pelo o que cometemos. Passatempo (questionamentos e pensamentos) de Justiniano após a passagem daqueles dias sem que o amigo tomasse uma iniciativa de reconciliação. Estava clara, racionalmente, a injustiça aos olhos humanos de Justiniano. Só havia, aos seus olhos humanos, apenas uma ofensa: a do amigo.

Estava Justiniano então andando próximo a um jardim e havia apenas uma flor no meio dessa imensa beleza da natureza. Uma flor linda. Era apenas uma flor como qualquer outra, segundo ele. Então procurou arrancá-la. De súbito um senhor aparece pedindo desesperadamente para não fazer isso, justificando ser uma ofensa enorme a sua pessoa: “se arrancar esta flor ofenderá a minha razão de ainda viver: minha filha”. Aquele senhor então passou a explicar a história daquela flor, representação da falecida filha dele. Era dono de um banco e muito zeloso por seu ambiente de trabalho. Qualquer sujeira, barulho, desorganização era uma ofensa relevante a sua pessoa. Contudo um ladrão após roubar o seu banco atirou numa menina. Era a sua única filha. A maior ofensa possível de ser sentida por um pai. O roubo durou horas. O assassinato durou alguns meros segundos. A maior ofensa estava clara para o ofendido. O “pecador” recebeu prisão perpétua. Ainda assim não foi suficiente para aplacar a dor do pai órfão. A natureza da ofensa é conforme a natureza do ofendido.

Esse acontecimento factível então começou a gerar as respostas aos questionamentos de Justiniano. Bastava um simples raciocínio. A problema existencial do pecador (cristão) perante o Infinito estava resolvido. O problema da amizade ainda não, apesar de se poder usar o mesmo raciocínio para se encontrar a reconciliação. O amigo de Justiniano passava por momentos muito difíceis em sua vida. Estava tenso, só e triste. Instável, instável natureza. Qualquer palavra nociva de juízo sobre sua personalidade, e vinda de um amigo, era como bater em seu filho, uma grande ofensa. Só ele sabia, só ele sabia a dor em sua mente e coração. Sua natureza circunstancial determinou a incompreensiva grandiosidade da ofensa do outro amigo. Aos olhos de Justiniano era injustiça. Aos olhos do amigo existia apenas uma grande ofensa: a do outro amigo. Só quem entende a ofensa é o ofendido. A arbitrariedade de Justiniano era notória. O rancor já possuía seu interior, cegando o uso do raciocínio antes aprendido com o senhor daquele jardim.

A ofensa ao um ser infinito é infinita. Tal ofensa apenas será, racionalmente, aplacada com uma pena infinita. Não importa a natureza, circunstancial ou ontológica, do ofensor. A indignação de Justiniano se tornara auto-indignação, questionara injustamente contra um “dogma”.

Justiniano descobriu isso factualmente. Quem determina a natureza da ofensa é o ofendido. A questão não era mais as respostas existenciais. Justiniano estava cego e sujo. Importa quem deve tomar a iniciativa? A ofensa é do ofendido.

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