"Como a América emergiu de um país rústico para se tornar uma das maiores nações que o mundo já conheceu?"


"Como a América emergiu de um país rústico para se tornar uma das maiores nações que o mundo já conheceu?". Essa é a pergunta de Neil deGrasse Tyson, respondida pelo mesmo, neste vídeo. A mensagem básica do vídeo é: "esta política está atrapalhando o avanço científico porque não reconhece estas teorias científicas". Uma recepção mais ou menos comum dessa mensagem é este comentário no link do vídeo: "Não se exige de ninguém que "acredite" na Teoria (...). Em CIÊNCIA não existe espaço para a crença. Em CIÊNCIA a pessoa inteligente aceita as evidências que corroboram as hipóteses. Podes até ficar horrorizado com as consequências da Teoria (...), mas não é possível fechar os olhos para as TONELADAS de evidências".

Esse discurso é um jogo, em que o adversário é colocado contra o Bem, que se chama Racional ou Científico, por conseguinte quem é contra é do Mal, que se chama Erro, Irracional ou Anticientífico. E aqui há pelo menos um triplo problema de leitura: do mundo, de literatura e de poder fazer tais leituras.

Enquanto supera o problema de leitura de literatura você pode conhecer o problema de leitura do mundo, a partir da obra "Tractatus logico-philosophicus", de 1921, de Ludwig Wittgenstein, no qual a denúncia de que "meu mundo é o limite da minha linguagem" havia lançado uma demolidora crítica ao Positivismo Lógico, no início do século XX, enquanto lançava aquela conhecida técnica da Tabela-Verdade que usamos em disciplina introdutória de Lógica. Essa obra é um ponto de partida apenas. O mesmo autor um tempo depois veio com a obra "Investigações Filosóficas", com a noção de jogo de linguagem, no qual estava a linguagem científica, a matemática, a lógica, a física, entre outros, inclusive negando vários pontos da primeira obra. E nesse segundo embalo, entre 1950 e 1970, vieram outros que fizeram uma revolução no modo de pensar a Filosofia e a Ciência, apesar de muitos cientistas e divulgadores científicos ainda não terem se dado conta disso. Assim foram também estes:  Willard Van Orman Quine com "Dois Dogmas Do Empirismo" e Wilfrid Sellars com "Empirismo e a Filosofia da Mente". E hoje outros avançaram mais ainda na temática. Porém essas leituras não são fáceis, pois carregam um vocabulário filosófico bem próprio, logo recomendo "A Estrutura das Revoluções Científicas", de 1962, de Thomas S. Kuhn (7 ed.), que pode revelar bem a diferença entre Ciência Conformista e Ciência Histórica, bem como se deu de fato os avanços científicos - nessa época Kuhn era doutorando de Física e ficou fascinado pela história da ciência, especialmente pela influência desse segundo embalo.

Mas em que mundo vivemos? Em um mundo de exatidões no qual se encaixam as demonstrações ou um mundo mais ou menos verossímil no qual se encaixam as argumentações? Perceba a oposição e o lugar da demonstração e da argumentação. A ideia de que vivemos em um mundo de demonstrações foi bem denunciado pelo "Tratado da Argumentação" de Chaim Perelman, na mentalidade de tradições filosóficas e científicas. Uma introdução ao Perelman é "Introdução à retórica" de Olivier Reboul. Assim vale a pena aqui citar da introdução desse tratado um eco, desde Descartes, do discurso desse vídeo: "O raciocínio more geometrico era o modelo proposto aos filósofos desejosos de construir um sistema de pensamento que pudesse alcançar a dignidade de uma ciência. De fato, uma ciência racional não pode contentar-se com opiniões mais ou menos verossímeis, mas elabora um sistema de proposições necessárias, que se impõe a todos os seres racioanis e sobre os quais o acordo é inevitável. Daí resulta que o desacordo é sinal de erro". Veja a semelhança disso com aquele comentário.

Mas e o avanço científico sem o reconhecimiento destas teorias científicas? Aí uma boa leitura, além de Kuhn, é o artigo de Daniel Durante, neste link https://t.co/U8myzADPMn, explicando "Por que revoluções científicas não destroem os objetos técnicos?", de modo que "As teorias obsoletas são tão racionais e científicas quanto as que fazemos hoje", e isso é uma "hipótese empiricamente testável". Basta para isso se utilizar "da concretude e materialidade da tecnologia". O autor então utiliza 2 exemplos de teorias obsoletas ainda corretas hoje! Assim as tecnologias da Biologia não vão desmoronar porque há quem questione o darwinismo. Por isso é preciso entender melhor a relação entre tecnologia e ciência.

(Cuidado com o jogo "Teoria da Evolução é o Darwinismo". Veja mais sobre isso aqui: http://aislanfp.blogspot.com.br/2017/02/quatro-cuidados-basicos-para-nao-se.html)

E leitura não é dizer que leu, mas mostrar ao especialista que leu. E mostrar que leu não é concordar, pois só há verdadeira (dis)concordância se pelo menos entendeu o outro. Agora quando se entende em que jogo o outro se encontra, aí é o momento em que geralmente ocorrem as revoluções, como algumas que foram citadas. E aqui é o terceiro problema de poder fazer as outras leituras. Requer pelo menos um tempo e esforço, antes de começar a discordar ou concordar.

Isso tudo é um breve caminho de leituras. Ou também uma crítica negativa, porque não oferece uma resposta positiva, explicando exatamente como são os problemas do vídeo.

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