Quando o físico pensa que é um teórico da ética - II


Esta é a segunda postagem da série "Quando o físico pensa que é um teórico da ética". A primeira postagem desta "série" está sob o título "O paradigma do tamanho físico para definir (in)significância".

A pergunta desta imagem ao final é retórica. Não há interesse em saber o que você é, diante dos fatos apresentados, porque a ideia é passar um sentimento ao final de que você é praticamente nada, de tão pequeno ou menor diante de outras coisas. Ou que você é tão insignificante quando olha o quanto se é fisicamente passageiro ou inferior numericamente.

O argumento usa um recurso retórico de diminuição e amplificação (isso já estava em Aristóteles, na obra a Retórica, uns 350 a.C.), que pode ser usado em argumentos bem intencionados ou em falácias (mau intencionadas). Ele "brinca" com a quantidade numérica (e provavelmente com o tamanho físico, outra quantidade).

Na verdade, a postagem é uma falácia. E podemos evidenciar isso por diferentes motivos. Entre alguns desses motivos há o lógico-formal e o científico-metodológico.

Vou exemplificar o primeiro motivo com o silogismo a seguir.
Todas as grandiosas são pessoas virtuosas (Blz!)
Algumas galáxias são grandiosas (Blz!)
(Logo) Algumas galáxias são pessoas virtuosas (Oi?!)
Qual o problema aqui? Notou algo estranho com o uso da palavra "grandiosas"? O problema lógico-formal está aí exemplificado, mesmo sem explicar em detalhes como isso funciona. É possível notar a ambiguidade, entre qualidade ética e quantidade física.

Vamos agora rever a postagem, e perceber algumas coisas estranhas.

A afirmação "Você é uma pessoa entre..." pode ser refeita como "Você é uma parte numérico-fisicamente do todo entre...". Veja que agora o advérbio "numérico-fisicamente" está qualificando a afirmação de acordo com o que está sendo comparado entre uma parte e seu todo: quantidades numéricas (e provavelmente tamanhos físicos). Esse advérbio seria desnecessário se estivesse clara a conversa, de que se tratava de um contexto de discurso numérico e físico (aqui seria o motivo científico-metodológico). Além disso, foi explicitado o uso do correlacional inferencial parte e todo, muito comum em argumentos retóricos.

Vamos tentar explicitar a postagem numa cadeia de silogismos sem ambiguidades. Para facilitar a leitura, troque a letra X abaixo por "7 bilhões vezes 8 maiores vezes 100 bilhões maiores vezes 100 bilhões maiores" (o cálculo da postagem) nos silogismos.
Toda parte entre X é numérico-fisicamente inferior ao todo em X
Você é numérico-fisicamente uma parte entre X
(Logo) Você é numérico-fisicamente inferior ao todo em X
Toda pessoa é pelo menos uma parte entre X
Você é uma pessoa
(Logo) Você é pelo menos uma parte entre X
Com essa cadeia, então, pode-se concluir que "Você é pelo menos numérico-fisicamente inferior ao todo em X", caso a adição da palavra "pessoa" seja algo pelo menos mais significativo que ser uma parte numérico-fisico de um todo. Obviamente a falácia procura ocultar esse "pelo menos", para não prejudicar a força do argumento.

MAS ainda assim, mesmo assumindo uma ética da significância subordinada a noções matemáticas ou físicas de quantidade, sem explicar como se dá essa subordinação (!), não há o todo sem suas partes, nem o 1.000.000...000.000.000 sem aquele 1 "insignificante", nem galáxias sem planetas, nem um corpo sem membros...

E mais! Se for seguir mesmo a resolução de noções, como a do número com a do infinito, que temos na matemática comum, por exemplo, então vai se deparar com a antinomia de que "o todo não é maior que suas partes", como mostrou Leibniz, autor do cálculo infinitesimal, matemático, filósofo e cientista alemão do século XVII. Aliás, ele deixou um bom conselho diante disso tudo: "Ao invés de número infinito, deveríamos dizer, há mais coisas do que as que podem ser expressas por qualquer número" (RUSSELL, p. 237).

----------------------------------------

RUSSELL, Bertrand. (1968). A Filosofia de Leibniz (uma exposição crítica). São Paulo: Nacional.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Leituras: Psicologia Cognitiva - Robert J. Sternberg

Ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ Λόγος, καὶ ὁ Λόγος ἦν πρὸς τὸν Θεόν, καὶ Θεὸς ἦν ὁ Λόγος. (Como Deus e não Deus?)

Tradução e comentários de Lucas 20:34-38 - os filhos deste e daquele mundo