Uma primeira leitura do Projeto de Lei (PL) 6787/2016 (Reforma Trabalhista)


Fiz uma leitura do Projeto de Lei (PL) 6787/2016, não apreciada ainda por uma comissão, sem considerar as Emendas (5 páginas), mas focada em pontos próximos a minha realidade. Depois fiz uma leitura do Projeto considerando as Emendas, decretado pela Câmara dos Deputados (55 páginas).

A famigerada Reforma Trabalhista é bem odiada por uns e amada por outros. Sim! Há tais posições limites na minha roda de amigos, logo há quem não se identifique com tais limites. Há quem enxergue pontos que podem ser positivos, mesmo desconhecendo outros pontos, que possam ser ruins. Esse é o meu caso, com ressalvas. E essa leitura não se coloca como palavra final, como uma certeza, principalmente vindo de um leigo em Direito.

(Sobre a importância das dúvidas, diante daquilo que precisamos deliberar, recomendo a reflexão deste link: http://aislanfp.blogspot.com.br/2017/04/as-duvidas-nos-aproximam-nao-as-certezas.html)

Antes de apresentar a leitura, um parênteses, no qual apresento minhas ressalvas. E se eu estiver certo: de fato há alguns pontos positivos? Ou se realmente eu estiver errado: há somente pontos ruins? Quanta incompetência ou irresponsabilidade no modo como colocamos as coisas! Ora, colocamos um contingente tão complexo em condições tão pobres, por isso os extremos são tão pobres. Quantas e quais tipos de pessoas serão atingidas por um ponto? Por quanto tempo? Como serão atingidas? Todos os pontos dependem entre si? Por que tudo em um pacote e não em partes que tenham certa dependência? O quanto podemos estar certos dessas coisas? Um leigo não consegue responder essas questões, numa mera leitura de projeto. É preciso debates e debates, analisando o mérito de cada coisa, colocando os vários casos, para se chegar a uma boa deliberação.

Na verdade, essa leitura foi motivada por um diálogo com um colega que apresentou os seguintes pontos, adaptados de um panfleto num texto do The Intercept Brasil, que seriam direitos distorcidos pelas emendas incorporadas ao projeto:
C1. Acordo é maior que a lei;
C2. Restrição à gratuidade na Justiça trabalhista;
C3. Excesso de jornada sem acordo prévio;
C4. Acordos fora do contrato de trabalho;
C5. Certos benefícios deixam de ser encargos trabalhistas e previdenciários;
C6. Reduz em 2/3 o adicional;
C7. Restringe eleição de representantes;
C8. Valor exato deve apresentar na reclamação na Justiça.

Panfleto do The Intercept Brasil
Esse panfleto foi colocado como um contraponto aos pontos que acredito estar na reforma (antes de ter feito essa leitura), e que seriam benéficos na minha realidade enquanto trabalhador:
A1. Mínimo de 30 minutos na hora do almoço para sair mais cedo;
A2. Home office (trabalho remoto);
A3. Partição de férias em 3 vezes;
A4. Banco de horas.

Parece que o diálogo irá terminar se os pontos de um forem "maiores" do que os pontos do outro. E essa é uma das pobrezas de diálogo que precisamos evitar, especialmente num ambiente tão pobremente politizado como no Brasil, incluindo ambientes acadêmicos. Não conseguimos mais conversar sem descartar o todo: ou tudo ou nada. Não conseguimos reconhecer que há partes boas, antes de reconhecer que apesar de partes boas, a aprovação do todo é prejudicial a muitos, não a todos. Talvez a pobreza de discurso esconda uma pobreza de conteúdo, de competência em falar sobre o assunto, na sua variada complexidade. Desse modo, assim se consegue melhor entender a motivação de aprovar um todo com partes independentes. Por outro lado, se a oposição à aprovação do todo, também está comprometida com seus interesses prórios de poder, então é melhor considerar o todo como ruim mesmo e negar algumas partes boas.

O acesso ao Projeto de Lei (PL) 6787/2016 se encontra aqui:

A primeira leitura foi feita a partir do arquivo presente no link "Inteiro teor", no início da página do Senado. A segunda leitura foi feita a partir do link "Redação Final", com as Emendas.

A CLT se encontra aqui:

O panfleto acima foi tirado deste texto do The Intercept Brasil de 2017/04/26:

Nessa notícia a tese é: LOBISTAS DE BANCOS, INDÚSTRIAS E TRANSPORTES ESTÃO POR TRÁS DAS EMENDAS DA REFORMA TRABALHISTA. Eu não tenho muitas dúvidas disso, porém, e porém, estamos assumindo que não há mais nada além de sindicatos bem intencionados e leis absolutas, ignorando a existência de justiça do trabalho, com seus fiscais e juízes e instâncias, ou considerando que esses últimos sejam maus ou ineficientes (mas o sindicado sempre trabalhou juntamente com eles). É como não aprovar os programas sociais, porque há quem vai se aproveitar com as eleições, e de fato muitos se aproveitam (há quem dúvida que existam aproveitadores de programas sociais). Prejudicar quem pode fazer o bem, porque há quem vai fazer o mal. Numa democracia, o que há é um conjunto complexo de forças de pressão para todos os lados.

Este mesmo site tem uma análise concluindo que a reforma (como um todo) só enfraquece o trabalhador, aqui:

No geral, a análise do The Intercept Brasil é rasa. A análise sobre o teletrabalho ignora a própria natureza do teletrabalho em que especificar atividades em vez de jornada é mais próprio do teletrabalho (eu já fiz isso e não funciona por jornada). Mas a análise sobre o ponto A3 (partição de férias) é curiosa, porque cita esta notícia que diz o contrário sobre sua tese "confirmada cientificamente" (vide trechos a seguir):

Alguns trechos contraditórios com essa notícia: "62% dos entrevistados precisavam de menos uma semana para se esquecer da sua rotina de trabalho, enquanto outros 38% necessitavam de pelo menos duas semanas ou mais para realmente trocar o chip. Embora esses dados sejam gerais, variam segundo alguns fatores como o grau educacional e o sexo"; "Por isso, na hora de decidir entre férias pequenas e mais frequentes ou longas e anuais, a especialista diz que isso dependerá da capacidade de adaptação das pessoas".

Esse ponto e outros pontos meus, na verdade, estão relacionados apenas com o 1.4 do sumário de alterações das leis sem as emendas a seguir (a primeira leitura). No geral, apenas lendo esse projeto sem as emendas, tive uma boa impressão.

Sumário de alterações SEM as emendas (5 páginas e 3 artigos):
1. Art. 1º: alterações do Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 (CLT).
1.1. Do Art. 47, sobre o empregado não registrado.
1.2. Do Art. 58-A., sobre o trabalho em regime de tempo parcial.
1.3. Do Art. 523-A., sobre a eleição de representante dos trabalhadores no local de trabalho.
1.4. Do Art. 611-A., sobre a soberania da convenção ou do acordo coletivo.
1.5. Do Art. 634., sobre valores das multas administrativas.
1.6. Do Art. 775., sobre prazos processuais.
2. Art. 2º: alterações da Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974 (terceirização).
2.1. Do Art. 2º, sobre o que é o trabalho temporário.
2.2. Do Art. 10., sobre a duração do contrato de trabalho temporário.
2.3. Do Art. 11., sobre escrito e registro do contrato de trabalho temporário.
2.4. Do Art. 12., sobre igualdade de direitos da CLT com contratados.
2.5. Do Art. 14., sobre INSS e FGTS das empresas de trabalho temporário.
2.6. Do Art. 18., de que se aplica também a regime de tempo parcial e não se aplica a empregados domésticos.
2.7. Do Art. 19., de que a empresa tomadora dos serviços responde subsidiariamente na Justiça do Trabalho os litígios.
3. Art. 3º: revogações.
3.1. 6 do Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 (CLT).
3.2. 2 da Lei nº 6.019.

Observações:
1. Sobre o 1.3: não exclui o sindicato da mesa de negociação e na conciliação, mas inclui mais pessoas (um até 5) entre sindicato e patrão, independentemente de filiação sindical, e não excluido os filiados.
2. Sobre o 1.4: trata de parcelamento de férias, limite de horas mensais, participação nos lucros e resultados, mínimo de trinta minutos interjornada, plano de cargos e salários, banco de horas, trabalho remoto, remuneração por produtividade (e gorjetas), registro de jornada, entre outras; não vai deixar de respeitar o Código Civil; segurança e medicina do trabalho estão fora; flexibilização de salário e jornada se obedece o art. 7º da Constituição e se vantagem explicitada.

(Lembrando que acordo coletivo é entre empresas e sindicato, enquanto convenção coletiva é entre sindicato de empregados e sindicato de empregadores. Convenção é mais abrangente que o acordo. E acordo é mais específico que a convenção.)

Com as Emendas, o primeiro artigo do projeto passou a ter 51 páginas, o segundo artigo com 3 páginas, e o restante de páginas com 3 artigos.

Sumário de alterações COM as emendas (55 páginas e 6 artigos):
1. Art. 1º: alterações do Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 (CLT).
1.1. Do Art. 2º, sobre grupo econômico e reponsabilidade solidária de empresa-membro. [Gostei!]
1.2. Do Art. 4º, sobre contagem de tempo de serviço e período extraordinário. [Gostei!]
1.3. Do Art. 8º, de que Súmulas não legislam e Justiça do Trabalho verifica conformidade do negócio jurídico sob Código Civil. [Hum...]
1.4. Do Art. 10-A., sobre responsabilidade do sócio retirante.
1.5. Do Art. 11., prescrição de créditos trabalhistas.
1.6. (1.1.*) Do Art. 47, sobre o empregado não registrado.
1.7. Do Art. 58., mais sobre período extraordinário. [Gostei!]
1.8. (1.2.*) Do Art. 58-A., sobre o trabalho em regime de tempo parcial (duração que não exceda) [Gostei!]
1.9. Do Art. 59., sobre duração diária e banco de horas. [Gostei!]
1.9.1. Do Art. 59-A., sobre o regime 12/36. [Gostei!]
1.9.2. Do Art. 59-B., sobre compensação.
1.10. Do Art. 60., sobre licença prévia no regime 12/36.
1.11. Do Art. 61., excesso independente de convenção coletiva ou acordo coletivo.
1.12. Do Art. 62., inclui regime de teletrabalho.
1.13. Do Art. 71., indenização de período intrajornada suprimido. [Hum...]
1.14. Dos Arts. 75-A a 75-D, sobre teletrabalho. [Gostei!]
1.15. Do Art. 134., partição de férias. [Gostei!]
1.16. Dos Arts. 223-A a 223-G, do dano extrapatrimonial.
1.17. Do Art. 394-A., sobre afastamento da mulher.
1.18. Do Art. 396., descanso da mulher acordado com empresa.
1.19. Do Art. 442-B., sobre contratação do autônomo.
1.20. Do Art. 443., sobre trabalho intermitente.
1.21. Do Art. 444., empregado com nível superior.
1.22. Do Art. 448-A., sobre sucessão empresarial.
1.23. Do Art. 452-A, do contrato de trabalho intermitente.
1.24. Do Art. 456-A., do padrão de vestimenta.
1.25. Do Art. 457., o que integra o salário. [Hum...]
1.26. Do Art. 458., assistência por serviço médico ou odontológico não integra o salário.
1.27. Do Art. 461., sobre equiparação salarial. [Gostei!]
1.28. Do Art. 468., direito à gratificação.
1.29. Do Art. 477., na extinção do contrato.
1.29.1. Do Art. 477-A., sobre dispensas imotivadas.
1.29.2. Do Art. 477-B., sobre Plano de Demissão Voluntária ou Incentivada.
1.30. Do Art. 482., conduta dolosa do empregado.
1.31. Do Art. 484-A., na extinção do contrato.
1.32. Dos Arts. 507-A. ao 507-B., benefícios da Previdência e obrigações trabalhistas.
1.33. (1.3.*) Dos Arts. 510-A. ao 510-D, da representação dos empregados. [Gostei!]
1.34. Do Art. 545., autorização de empregado para contribuição em folha ao sindicado.
1.35. Dos Art. 578, 579, 582, 583, 587, 602, sobre contribuição sindical e condicionada à autorização.
1.36. (1.4.*) Do Art. 611-A., sobre a soberania da convenção ou do acordo coletivo [Gostei!] [Hum...]
1.36.1. Do Art. 611-B., sobre objeto ilícito de convenção ou de acordo para a supressão ou a redução de direitos.
1.37. Do Art. 614., sobre duração de convenção ou acordo.
1.38. Do Art. 620., acordo é superior a convenção.
1.39. (1.5.*) Do Art. 634., sobre valores das multas administrativas.
1.40. Do Art. 652., competência das Varas do Trabalho [Hum...]
1.41. (1.6.*) Do Art. 775., sobre prazos processuais.
1.42. Do Art. 789., nos dissídios.
1.43. Do Art. 790., justiça gratuita à parte que comprovar insuficiência.
1.43.1. Do Art. 790-B., sobre honorários periciais.
1.44. Do Art. 791-A. sobre honorários.
1.45. Dos Arts. 793-A, 793-B, 793-C, 793-D. litigante de má-fé.
1.46. Do Art. 800, sobre exceção de incompetência territorial.
1.47. Do Art. 818., sobre o ônus da prova.
1.48. Do Art. 840., elementos da reclamação.
1.49. Do Art. 841., desistir da ação.
1.50. Do Art. 843., preposto não precisa ser empregado.
1.51. Do Art. 844., juiz suspender o julgamento por "motivo relevante". [Hum...]
1.52. Do Art. 847., defesa por sistema de processo judicial eletrônico.
1.53. Dos Arts. 855-A ao 855-E., da desconsideração da personalidade jurídica e homologação de acordo extrajudicial.
1.54. Do Art. 876., ...
1.55. Do Art. 878., ... 
1.56. Do Art. 879., ... 
1.57. Do Art. 882., ... 
1.58. Do Art. 883-A., ... 
1.59. Do Art. 884., ... 
1.60. Do Art. 896., ... 
1.61. Do Art. 896-A., sobre indicadores de transcendência.
1.62. Do Art. 899., do depósito recursal.
2. Art. 2º: alterações da Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974 (terceirização).
3. Art. 3º: acrescenta inciso I-A no Art. 20 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990.
4. Art. 4º: alterações do art. 28 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.
5. Art. 5º: revogações.
6. Art. 6º: vigência desta lei.

Observações:
1. Os pontos com * são os pontos do sumário do projeto sem as emendas.
2. O ponto 1.8 coloca compensação "até a semana imediatamente posterior" e quitação na folha no mês subsequente.
3. Em alguns mostro minha impressão: "Gostei!", "Não gostei!" ou "Hum..." (desconfiado que vai gerar muitos problemas). Os que não mostro impressão é porque não estou familiarizado, mas não parece ser ruim para todo caso.
4. O problema que vejo no ponto 1.36 é a introdução do "quando, entre outros"!

Assim, quanto ao C1 do panfleto (parece ser do Art. 611-A), sem analisar os outros pontos, o próprio The Intercept Brasil coloca que "Isso possibilita que a empresa contrate empregados com menos direitos do que prevê a convenção coletiva da categoria, ou até mesmo a lei.". Pelo que entendi, quer dizer o seguinte: a empresa X contrata x1 com menos direitos que a empresa Y, sendo X e Z da mesma categoria. Porém o The Intercept Brasil coloca como se as alterações do Art. 611-A, que fala de vários direitos, se resumissem a redução de salário e de jornada. E pior, é ilícito tal objeto: “Art. 611-B. Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos: ... IV – salário mínimo; V – valor nominal do décimo terceiro salário; ...".

Mas foi apenas uma leitura. Os próximos passos são se aprofundar naquilo que foi alterado, coisa que muitos não fazem (e deveriam fazer por nós) apesar de todo barulho.

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