"Qual o método científico desta teologia?"


"Qual o método científico desta teologia?". Essa deveria ser a primeira pergunta a ser respondida em toda teologia. A primeira razão estaria voltada a ser transparente com o leitor ou com quem quer convencer de sua argumentação, das regras do jogo teológico. E em cima dessa razão, farei uma breve reflexão, ou melhor, agruparei alguns insights a respeito desse problema, logo muita explicação e referência, que seriam necessárias, vão ficar de fora.

Assumindo que demonstração é uma argumentação no limite da simplicidade, ao ponto de não haver ambiguidade, entre os próprios termos utilizados, uma das coisas que diminuem a simplicidade é a linguagem ordinária, pois muitas vezes é necessário utilizar passos adicionais para ter segurança no que se está dizendo. Não é sem motivo o surgimento de linguagens artificiais para facilitar o entendimento e tornar a explicação o menos ambígua possível.

Vivemos a herança de uma história conturbada na formação da noção de método científico, bem como de suas práticas. Por muito tempo, paradigmas foram utilizados como fundamento desse método, de tal modo que ciências específicas se tornaram partes da cientificidade. Assim por um tempo geometria era a base da cientificidade, sem uma clareza de como uma ciência estava subordinada às demonstrações geométricas. O mesmo depois se deu com a matemática algébrica, e depois com a lógica.

Na Antiguidade, Aristóteles estabeleceu uma noção bem definida do que seria uma ciência a ser praticada, o qual não fazia confusão entre paradigma e fundamento, muito menos com sua finalidade: verdade, prática ou produção. A matemática e a geometria, por exemplo, tinham seus próprios fundamentos, os quais permitiam suas próprias práticas de demonstração. Mas havia a possibilidade de utilizar a demonstração de um na demostração de outro, desde que a relação entre seus fundamentos, uma vez estabelecida, permitisse tal coisa. Exemplo: com o fundamento da Geometria, o ponto, subordinado ao fundamento da Matemática, o número, se faziam demonstrações geométricas a partir de demonstrações matemáticas. Assim também ocorria com a Física em relação à Matemática. No entanto, isso não foi bem compreendido posteriormente.

O fundamento da Teologia é o discurso de Deus, e não Deus. O discurso pode ser escrito ou oral. O discurso pode ser o Pentateuco, a Bíblia cristã ou toda Tradição cristã. Essa multiplicidade de discursos só é possível porque o fundamento foi definido como sendo "o discurso de Deus". 

Deus não poderia ser o fundamento, porque é inalcansável, nos mais diversos sentidos. Semelhantemente "se o discurso é de Deus" também não é o caso, porque seria como perguntar ao geômetra se o ponto é físico, já que suas demonstrações são geométricas. Essa não é a pergunta que se faz ao geômetra, mas ao físico, e enquanto geômetra, pois não existe "linha física". A pergunta que se faz ao teólogo, o qual seria cientificamente hábil em responder, seria "se o homem tem livre-arbítrio (no discurso)" ou "como Deus é soberano sob as vontades humanas (no discurso)". Aí o teólogo pesquisa, se a demonstração não estiver pronta, ou demonstra. E é nesse contexto, em que outro teólogo questiona, e outro e outro etc. 

Desse modo, quem de fora critica essa discussão teológica, porque "não vai além da teologia", como se acreditasse estar denunciando uma prática dogmática, comete um erro metodológico básico de cientificidade. Não é à toa que muitos questionam certas discussões matemáticas que parecem sem sentido, porque não enxergam no momento uma aplicação prática ou real. Contudo foi assim que muitos avanços científicos aconteceram: com o descrédito de uns, com a inovação de outros, e, principalmente com a revolução de muitos (que o diga Thomas Kuhn).

Assim o dogmatismo não ocorre por haver "apenas discussão teológica", mas por outros motivos, já que isso é virtude científica.

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