Pedras para humildade - IV


A terceira pedra
“Os gregos quase não conheceram esta virtude” (Jankélévitch)

Por não conhecermos o nosso passado nos sentimos perdidos em relação ao que somos. Tenho uma natureza má? Sou uma luta entre o bem e o mal? Sou corrompido pelo meio? Serei sempre assim? Há algo que tenho a fazer primordialmente em minha vida? Queria lhe apresentar as boas notícias, mas acredito que elas não terão significado se antes não sentirmos a necessidade de tais notícias. Uma notícia para ser boa normalmente é precedida de uma má situação. Se perguntar a alguém cujo país está em guerra qual seria a boa notícia, certamente seria o fim dessa guerra. Revelar o espelho de nossa natureza ou condição existencial não será uma boa notícia, mas apontará para uma. A revelação do que realmente não somos é uma pedra difícil de passar, principalmente quando não queremos admitir.

Paulo, apóstolo de Jesus, procurou mostrar, principalmente aos judeus, que a história do povo de Israel e a sua lei eram úteis para que o evangelho de Jesus tivesse real sentido como necessidade espiritual para todo homem. O judaísmo veio a existir por causa do cristianismo, num sentido lógico, não cronológico: “Porque o fim da lei é Cristo” (Romanos 10.4). Porque Deus escolheu formar um povo para – entre outras coisas – mostrar a todos os seres humanos o problema que todos temos sem Deus, sem Jesus Cristo. “Ora, sabemos que tudo o que a lei diz, aos que vivem na lei o diz para que se cale toda boca” (Romanos 3.19, ênfase nossa). Tudo isto era humilhante aos judeus, porque se achavam privilegiados quanto à salvação diante de outros povos para sempre, porém o povo de Israel não foi escolhido por qualquer vantagem, pois “O Senhor não tomou prazer em vós nem vos escolheu porque fôsseis mais numerosos do que todos os outros povos, pois éreis menos em número do que qualquer povo” (Deuteronômio 7.7, ênfase nossa). Poderia ter sido qualquer um, pois bastava um povo para mostrar o que estava em todos os povos, porque todos os seres humanos compartilhavam de uma mesma natureza e de um mesmo representante legal. Este é, na verdade, a raiz de nosso problema. Um problema presente em todos os seres humanos. Tanto que fez com que Paulo chegasse a seguinte conclusão: “Que se concluiu? Temos nós qualquer vantagem? Não, de forma nenhuma, pois tanto judeus como gregos todos estão debaixo do pecado” (Romanos 3.9).

Estamos todos na mesma condição, seja o inteligente, o sábio, o rico, o poderoso, o judeu, o famoso, o velho, o ignorante, o pobre, o fraco, o brasileiro... Não há possibilidade de exaltação por causa do credo, da condição social, da cor, da raça ou por qualquer diferença externa herdada ou conquistada.

Contudo fique certo de uma coisa: o primeiro homem só nos dar as respostas da nossa real situação atual. Não há boa notícia aqui. Apenas uma direção para a boa notícia. Porque independente de conhecermos a lei ou a história de Israel (todos) seremos julgados pelas nossas próprias ações: “revelação do justo juízo de Deus, que retribuirá a cada um segundo os seus procedimentos, pois para com Deus não há acepção de pessoas. Porque todos os que sem lei pecaram, sem lei também perecerão; e todos os que sob a lei pecaram, pela lei serão julgados” (Romanos 2.5, 6, 11, 12). Seremos julgados por procedimentos contidos claramente na lei moral revelada por Deus primeiramente aos judeus ou de conformidade com ela, porque (todos) temos um senso de justiça, de bem ou mal (relativo ou não), de menos apropriado ou mais apropriado, de certo ou errado, de ação ou reação: “porque, quando os gentios, que não têm lei, fazem por natureza as coisas da lei, eles, embora não tendo lei, para si mesmos são lei. Pois mostram a obra da lei escrita em seus corações, testificando juntamente a sua consciência e os seus pensamentos, quer acusando-os, quer defendendo-os” (Romanos 2.14, 15).

“Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram” (Romanos 5.12). Não fomos criados maus. Por causa de Adão, herdamos uma natureza pecaminosa – o que não é nada agradável para os que crêem que os problemas são apenas adquiridos e não herdados também – que nos faz ser o que somos realmente diante de Deus: “mortos em vossos delitos e pecados” (Efésios 2.1), “obscurecidos de entendimento, alheios à vida de Deus” (4.18), “não há justo, nem um sequer” (Romanos 3.10), “não há quem busque a Deus” (v. 11), “não há quem faça o bem” (v. 12), corrompido na mente e na consciência (Tito 1.15), escravos do mal (João 8.34)... E por isso a nossa “carne de nada aproveita” (6.63). Mas normalmente não vemos as pessoas terem tal natureza pecaminosa. E muitos partindo apenas desse fato concluem que somos ou corrompidos pelo meio ou uma dicotomia entre o mal e o bem. A normalidade no presente pode nos ofuscar da verdade – já mostrada – no passado. Ora, o que somos e temos, com ou sem Cristo, somos e temos pela graça de Deus – “Mas pela graça de Deus sou o que sou” (I Coríntios 15.10) e “Toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm do alto, descendo do Pai” (Tiago 1.17).

A humanidade só não está um caos total porque Deus refreia o mal nos corações de alguns homens que não O conhecem ou transforma o coração daqueles que O conhecem. Ora, houve épocas em que Deus deixou os homens seguirem o rumo de suas próprias naturezas corrompidas e as conseqüências foram terríveis: “Por isso Deus os entregou, nas concupiscências de seus corações, à imundícia, para serem os seus corpos desonrados entre si; E assim como eles rejeitaram o conhecimento de Deus, Deus, por sua vez, os entregou a um sentimento depravado, para fazerem coisas que não convêm; estando cheios de toda a injustiça, malícia, cobiça, maldade; cheios de inveja, homicídio, contenda, dolo, malignidade; sendo murmuradores, detratores, aborrecedores de Deus, injuriadores, soberbos, presunçosos, inventores de males, desobedientes ao pais; néscios, infiéis nos contratos, sem afeição natural, sem misericórdia; os quais, conhecendo bem o decreto de Deus, que declara dignos de morte os que tais coisas praticam, não somente as fazem, mas também aprovam os que as praticam.” (Romanos 24,28-32).

Outro ponto nada agradável é termos um representante legal em nosso lugar sem pedirmos, mesmo sendo Deus o autor desta questão legal. Portanto aquilo que Adão merecia nós merecíamos da mesma forma. Se ele pecar, nós pecamos (legalmente). Se ele for culpado nós seremos também. E é exatamente isto que Deus revela também: “Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram. Porque antes da lei já estava o pecado no mundo, mas onde não há lei o pecado não é levado em conta. No entanto a morte reinou desde Adão até Moisés, mesmo sobre aqueles que não pecaram à semelhança da transgressão de Adão o qual é figura daquele que havia de vir” (Romanos 5.12-14, ênfase nossa). Deve ser muito humilhante para quem se acha confiante pelo fato de não fazer mal a ninguém ter ainda assim uma culpa desde o nascimento: “Eis que eu nasci em iniqüidade, e em pecado me concedeu minha mãe” (Salmos 51.5).

Seria humilhante, para quem se sente seguro em fazer parte de todas as decisões que afetam a sua vida, não poder tomar parte de um acontecimento tão importante por ser antes de seu nascimento ou de sua existência.

E qual é a boa notícia? Diremos por enquanto apenas que Adão veio a existir por causa de Jesus Cristo – também não num sentido cronológico – porque o primeiro “prefigurava aquele que havia de vir” (Romanos 5.14). O que hoje somos, principalmente se restaurado com Jesus, é apenas a semente do que haveremos de ser, pois “Semeia-se corpo natural, ressuscita corpo espiritual. Se há corpo natural, há também corpo espiritual. Porque é necessário que este corpo corruptível se revista da incorruptibilidade, e que o corpo mortal se revista da imortalidade” (I Coríntios 15.44, 53). Toda a história da humanidade já estava definida antes que viesse a existir.

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