Pedras para humildade - VII


A sexta pedra
“A humildade é a reverência do homem a Deus” (São Tomás de Aquino)

Talvez aqui encontremos a maior pedra de todas, e seria tentador mostrar ao leitor um atalho, contudo não consigo lhe orientar por atalhos de fábulas. A dureza da verdade ao fim será melhor.
Não posso esconder ou negligenciar a verdade de que Deus faz determinadas escolhas de modo a tirar qualquer exaltação que venhamos a ter. Na verdade as escolhas de Deus têm por objetivo – além de outros reservados a Ele mesmo – produzir em nós espíritos de humildade. É o que está registrado em I Coríntios 1.26-29: “Ora, vede, irmãos, a vossa vocação, que não são muitos os sábios segundo a carne, nem muitos os poderosos, nem muitos os nobres que são chamados. Pelo contrário, Deus escolheu as coisas loucas do mundo para confundir os sábios; e Deus escolheu as coisas fracas do mundo para confundir as fortes; e Deus escolheu as coisas humildes do mundo, e as desprezadas, e as que não são, para reduzir a nada as que são; para que ninguém se glorie na presença de Deus”.

Nenhum dos anjos que pecaram receberam a misericórdia de Deus, diferente do que ocorreu com a humanidade. Aliás, isto Pedro usou como alerta aos presunçosos: “Porque se Deus não poupou a anjos quando pecaram, mas lançou-os no inferno, e os entregou aos abismos da escuridão, reservando-os para o juízo; se não poupou ao mundo antigo, embora preservasse a Noé, pregador da justiça, com mais sete pessoas, ao trazer o dilúvio sobre o mundo dos ímpios; se, reduzindo a cinza as cidades de Sodoma e Gomorra, condenou-as à destruição, havendo-as posto para exemplo aos que vivessem impiamente” (II Pedro 2.4-6). É injusta esta escolha de Deus de homens em vez de anjos? É injusta a escolha de Deus de Sodoma e Gomorra em vez de outras cidades na mesma situação? Com base em Atos 14 Deus permitiu que os homens formassem suas próprias crenças religiosas e morais, não se revelando a eles antes de Jesus. Isto mostra também a inutilidade de buscar a Deus sem a revelação dEle. Pode o finito alcançar o Infinito? Pode o mutável alcançar o Imutável? Que humilhante seria a quem respondesse sim a estes questionamentos.

Nós temos o privilégio da revelação de Deus. A nossa responsabilidade, portanto, é maior como o próprio Jesus alertava: “Em verdade vos digo que, no dia do juízo, haverá menos rigor para a terra de Sodoma e Gomorra do que para aquela cidade” (Mateus 10.15). É humilhante saber que tivemos, sem merecer, melhores oportunidades do que outras pessoas. Isto não é acepção de pessoas? Não. Porque Deus não permitiu algumas nações no passado sem conhecê-lo com base em circunstâncias externas como raça, nacionalidade, riquezas, poder, nobreza, etc. Não fazer acepção de pessoas se refere ao exercício do julgamento dando o que é justo: “porque não há no SENHOR nosso Deus iniqüidade nem acepção de pessoas” (II Crônicas 19.7). Ora, em toda Páscoa um criminoso era solto pela escolha do povo, não porque ele merecia alguma coisa ou mais que outros, mas porque o governador estava usando de misericórdia, logo não estava fazendo acepção de pessoas quando não escolhia também os outros que continuaram pagando seus crimes na prisão conforme a aplicação da justiça (Mateus 27.17) e não foram condenados porque não foram escolhidos, porém pelos seus próprios atos criminosos. Esta escolha é um exercício de misericórdia e não de justiça, e ainda assim não fere a justiça porque os condenados estão na prisão por causa de seus crimes, julgados pelos seus maus procedimentos. Nesta condição é que se encontra toda a humanidade.

E qual a razão dessas escolhas de Deus? Só Deus sabe. Entretanto podemos ver seus resultados: evitar a nossa exaltação e glorificar a Deus. Muitos querem colocar as bênçãos que o homem recebe em qualquer tipo de salvação como sendo os objetivos divinos dela. No entanto, todos os benefícios que o pecador recebem são os resultados dessa salvação e não as causas. Para quem acha que Deus o salvou ou o abençoou por causa de alguma coisa nele é humilhante saber que Deus olhou na verdade para Si mesmo ao salvar ou abençoar o homem.

Pela eternidade Deus deseja receber toda a glória de tudo que Ele faz: “Por amor de mim, por amor de mim o faço; porque como seria profanado o meu nome? A minha glória não a darei a outrem” (Isaías 48.11). Na realidade a ninguém outro, senão a Deus é devida toda a glória nos céus e na terra. Essa glória não vem de uma necessidade de Deus, pois Ele não necessita de nenhuma coisa – “O Deus que fez o mundo e tudo o que nele há, sendo ele Senhor do céu e da terra, não habita em templos feitos por mãos de homens; nem tampouco é servido por mãos humanas, como se necessitasse de alguma coisa; pois ele mesmo é quem dá a todos a vida, a respiração e todas as coisas (Atos 17.25) –, mas é simplesmente um desejo e direito particular de quem é Soberano, Criador e Oleiro de todas as coisas, ou “não tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa fazer um vaso para uso honroso e outro para uso desonroso?” (Romanos 9.21). Realmente é muito humilhante para o coração orgulhoso contemplar a humanidade inteira nas mãos de Deus como barro nas mãos do oleiro.

Quando Deus procura a glória em si mesmo não é o mesmo quando os homens procuram glória para si mesmos. O homem a busca por necessidade, vaidade ou orgulho. Já Deus é um ser auto-existente. Todos os outros seres foram criados por Ele e dependem dEle. Tudo quanto temos recebemos dEle. Por isso nenhum homem tem o direito de vangloriar-se do que é ou tem, porque não origina nada: “Pois, quem te diferença? E que tens tu que não tenhas recebido? E, se o recebeste, por que te glorias, como se não o houveras recebido?” (I Coríntios 4.7). Segundo, Deus não precisa das criaturas para ser glorioso. A glória de Deus sempre existiu desde a eternidade, porém Deus escolheu revelá-la nas obras de sua criação para nossa admiração e felicidade: “Os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos” (Salmo 19.1, ênfase nossa). Terceiro, como a criação é uma revelação da glória de Deus é errado atribuirmos glória a qualquer coisa criada, porque ela pertence ao Autor: “Assim diz o Senhor: Não se glorie o sábio na sua sabedoria, nem se glorie o forte na sua força; não se glorie o rico nas suas riquezas; mas o que se gloriar, glorie-se nisto: em entender, e em me conhecer, que eu sou o Senhor, que faço benevolência, juízo e justiça na terra; porque destas coisas me agrado, diz o Senhor” (Jeremias 9.23, 24). Quarto, o fato de Jesus Cristo, sendo Deus, em sua encarnação mostrou grande humilhação: “Tende em vós aquele sentimento que houve também em Cristo Jesus, o qual, subsistindo em forma de Deus, não considerou o ser igual a Deus coisa a que se devia aferrar, mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, tornando-se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz. Pelo que também Deus o exaltou soberanamente, e lhe deu o nome que é sobre todo nome” (Filipenses 2.5-9, ênfase nossa).

Para quem na verdade não tem nada e se exalta ao pensar ter alguma coisa seria infinitamente humilhante o fato de Deus na pessoa de Jesus Cristo tendo tudo se humilhou perante homens, anjos e o próprio Deus.

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