Pedras para humildade - VI


A quinta pedra
“Não sou digno de que entreis na minha casa” (O centurião)

Existem situações na vida que não dependem de nós. Esta realmente é uma pedra para quem não gosta de depender de outros. Isto nos torna frágeis se nos consideramos fortes.
Quando desobedecemos uma lei (moral, jurídica), geralmente alguém se ofende ou se sente injustiçado. O mesmo ocorre com Deus: “inimizade contra Deus, pois não é sujeita à lei de Deus” (Romanos 8.7). E se quisermos ser justos (justificados) temos que sê-lo diante de quem se ofende com nossa desobediência, portanto temos essa dívida para com essa pessoa ofendida. Quanto maior a gravidade da desobediência maior será a dívida para com a pessoa ofendida. No caso de cometer entre homens, como seres finitos e imperfeitos, o sentimento (ato) de ofensa um dia acaba, seja com o ofensor pagando em vida ou com a própria morte. Mas um dia acaba, seja durante a vida, depois da morte ou em outras vidas – caso existam –, ou por causa de sua justiça finita no tempo ou por esquecimento devido a sua imperfeição, por exemplo. Logo, para um ser humano é possível pagar uma dívida para com uma pessoa finita ou imperfeita, como outro ser humano. Mas como aconteceria se a pessoa ofendida fosse um ser com atributos de perfeição e infinidade: Deus?

Imagine um homem que comete uma falta, erro, desobediência (pecado) que ofende a Deus e deseja, logo, se justificar desse pecado. O que todos naturalmente pensam. Como conseguiria pagar esse pecado diante de Deus? Vejamos o que diz o seguinte texto: “E outra vez vos digo que é mais fácil um camelo passar pelo fundo duma agulha, do que entrar um rico no reino de Deus. Quando os seus discípulos ouviram isso, ficaram grandemente maravilhados, e perguntaram: Quem pode, então, ser salvo? Jesus, fixando neles o olhar, respondeu: Aos homens é isso impossível, mas a Deus tudo é possível” (Mateus 19.24-26, ênfase nossa). Portanto, não há como o homem pagar um pecado (se justificar) a Deus.

Ora, logicamente se Deus é perfeito então para sermos aceitos por Ele como justos devemos ser perfeitos em nossa justiça, em nossa obediência à lei – como os dez mandamentos, um exemplo da lei moral de Deus aos homens. A questão é que mais cedo ou mais tarde iremos contrair uma dívida humanamente impagável, pois quem consegue ser perfeito? Entretanto geralmente há um pensamento de que há aqueles que cumprem os mandamentos tão bem que consideramos praticamente perfeitos. É verdade! Mas não perfeitamente, pois o padrão de obediência mais alto é na verdade o padrão menos imperfeito. É como tentar imaginar o valor mais próximo de 3, mas nunca conseguir, pois depois de 2,9 temos 2,99 e depois 2,9999 e assim por diante. Era exatamente isso que Jesus estava falando em outras palavras no texto seguinte: “Pois eu vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus. (...) Sede vós, pois, perfeitos, como é perfeito o vosso Pai celestial” (Mateus 5.20, 48, ênfase nossa). Portanto, se a nossa justiça não for “maior” – em perfeição – que a daqueles que são considerados os maiores na obediência – na época os fariseus e escribas – não adiantaria de nada ser aceito como justo (justificado) diante de Deus. Quem terá humildade para reconhecer tão grande impotência humana?

Mesmo em nosso existencialismo (a experiência atesta o que é verdadeiro e a verdade é relativa), hedonismo (o prazeroso é verdadeiro), utilitarismo (o útil para a maioria é verdadeiro), naturalismo (o certo é seguir as leis da natureza) ou em qualquer moral particular devemos ser perfeitos. Se para você amar os desfavorecidos é a verdade moral então seja perfeita nela. Ou ser como um macaco é verdadeiro, seja perfeito nisto. Mas ainda assim não conseguimos.

E se houver uma série de reencarnações ou purgatórios que me tornem perfeito para que eu possa então (depois) obedecer perfeitamente? Além de não haver uma garantia de se realmente “alcançou” a perfeição por si só – lembra do número mais próximo de 3? – temos agora a questão da infinidade de Deus. Se por um lado devemos ser perfeitos na moral porque Deus é perfeito, por outro lado quando desobedecemos (ofendemos) a Deus nos deparamos com o problema da infinidade de Deus e aqui contraímos uma dívida eterna, pois se ofendermos um ser infinito devemos logicamente passar a eternidade pagando pelos pecados e ainda assim não é suficiente, porque quando o infinito acaba?

Por causa do infinito não importa para Deus quantos e quais pecados cometemos em termos de pagamento de dívida. Qualquer pecado gera uma dívida eterna, por causa de nossa finidade. Isto não parece duro, até injusto? Por que coisas erradas cometidas num tempo de vida tão curto nos leva a uma condenação eterna? Ora, se um ladrão demorar duas horas para roubar um banco sua pena será maior se matar uma menina em apenas 3 segundos, porque não é o tempo do crime que determina o tempo da pena e sim a ofensa (a alguém) do crime, pois o assassinato durou muito menos tempo que o roubo. Veja as seguintes palavras de Jesus sobre alguns pecados “pequenos”: “Eu, porém, vos digo que todo aquele que se encolerizar contra seu irmão, será réu de juízo; e quem disser a seu irmão: Raca, será réu diante do sinédrio; e quem lhe disser: Tolo, será réu do fogo do inferno” (Mateus 5.22). E foi o próprio Jesus que disse que o inferno é eterno: “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno” (Mateus 25.41).

E agora? Se não há saída, não há esperança em viver ou fazer o bem então? De forma nenhuma! Lembremos desse texto: “Aos homens é isso impossível, mas a Deus tudo é possível” (Mateus 19.26, ênfase nossa). A saída tem e é de Deus, mas talvez a pedra seja grande demais para querermos prosseguir em humildade. Pegue firme na bússola.

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