Pedras para humildade - IX


Um rio
“A verdadeira maturidade é alcançar a seriedade de uma criança brincando” (Kierkegaard)

Bem, chegamos ao fim de um caminho de pedras. Encontramos um rio, que não vemos o seu fim, um rio de águas vivas. Ela flui eternamente sobre nós, pois o Senhor é “a fonte das águas vivas” (Jeremias 17.13). Se o leitor usou bem a sua bússola então está no lugar certo, está se reencontrando. Ainda há muito a percorrer, entretanto o caminho agora não é mais de pedras, de obstáculos, mas de descobertas, de liberdade da morte, do medo e das derrotas terrenas, de crescimento, de prazer, de amor...

Alguns acham que o “céu” vai ser chato baseado na religiosidade que hoje vemos. Contudo para ilustrar um pouco em termos de prazer como será a plena presença de Deus no paraíso veja o anexo intitulado de “Teoria Pura do Sexo”, de minha autoria.

Nesse rio prosseguimos numa obediência de fé. A obediência pela fé é para os justificados em Cristo e que ainda são pecadores, passíveis de pecar, contudo duas observações: 1. a justificação é estritamente uma questão forense, mas num sentido amplo é sempre acompanhada da regeneração, isto é, o pecador justo não é (vive) mais o mesmo pecador de antes, pois sua natureza é transformada sobrenaturalmente de forma a querer viver para Deus. É o novo nascimento do qual falava Jesus: “Respondeu-lhe Jesus: Em verdade, em verdade te digo que se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus” (João 3.3). 2. O status do pecador muda com a justificação, mas a sua natureza apenas muda a partir da regeneração e se aperfeiçoa com a santificação. Estamos justificados pela fé diante de Deus, mas pela fé não estamos “justificados” diante dos homens. Precisamos demonstrar aos homens que somos justificados, para isso nossa fé precisa ser validada (justificada) com as boas obras. E é exatamente isso que Tiago diz em sua carta: “Que proveito há, meus irmãos se alguém disser que tem fé e não tiver obras? Porventura essa fé pode salvá-lo?” (Tiago 2.14). Como pode um justificado não se comportar como um? Ora, para algo ser (justificado como) sabedoria deve ter frutos de sabedoria. Não é dando bons frutos que uma árvore se torna boa, mas esses frutos mostram a natureza da árvore. Não é confessando a Deus diante dos homens que nos tornamos cristãos, contudo essa confissão mostra a marca de cristianismo em nós.

A justificação pela fé tira a condenação do pecado, mas não a culpabilidade do pecado. Por isso, devemos confessá-lo para reconhecer que somos os autores desse pecado e assim progredirmos na santificação e não esquecer que para isso temos um Advogado junto ao Pai: “Filhinhos meus, estas coisas vos escrevo para que não pequeis. Se, todavia, alguém pecar, temos Advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo” (I João 2.1). A justificação nos tira de uma prisão onde fomos sentenciados à morte (perdão) e a santificação nos tira de uma doença mortal (cura).

Assim como Deus não nega a justiça quando em amor consegue a salvação por nós, da mesma forma não nega ou diminui a Sua glória quando garante que a salvação chegue até nós e seja eterna. É Deus quem salva. Não há como alguém se exaltar na presença de Deus, ou num caminho de pedras ou num rio de águas vivas.

Essa fé é continuamente humilhante para quem continuamente se preocupa em garantir alguma coisa pelos próprios esforços ou por um valor próprio, porque a fé é também a dependência nas promessas de Deus. Entre elas temos a promessa de que Cristo faz constante intercessão por aqueles que Lhe são dados pelo Pai, e a Sua oração intercessória por Seu povo é sempre eficaz – “eu sabia que sempre me ouves” (João 11.42); “vivendo sempre para interceder por eles” (Hebreus 7.25). E salvação de Deus é completa do início ao fim: “fitando os olhos em Jesus, Autor e Consumador da nossa fé” (Hebreus 12.2). O problema muitas vezes numa tribulação ou adversidade não são a veracidade das promessas, contudo os nossos sentimentos mutáveis, pois o amor de Deus é eterno: “nem a morte, nem a vida, nem anjos, nem principados, nem coisas presentes, nem futuras, nem potestades, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor” (Romanos 8.38, 39).

Não podemos esquecer também o fato, a verdade de que Deus é Soberano Imutável, isto é, todas as adversidades ou maldades são controladas por Ele, do início ao fim. Ora, Foi Deus quem planejou e decidiu que seu filho amado e unigênito fosse morto em favor de pecadores, inclusive determinando que tipo de morte haveria de acontecer e os agentes dela: “Varões israelitas, atendei a estas palavras: Jesus, o Nazareno, varão aprovado por Deus diante de vós com milagres, prodígios e sinais, os quais o próprio Deus realizou por intermédio dele entre vós, como vós mesmos sabeis; sendo este entregue pelo determinado desígnio e presciência de Deus, vós o matastes, crucificando-o por mãos de iníquos” (Atos 2.22-23). De forma semelhante aconteceu com José, filho de Jacó, em que o mal feito pelos irmãos de José estava nos desígnios de Deus para que ele pudesse abençoar sua família e dar continuidade às promessas de vida que o Senhor havia feito aos antepassados de José: “Vós, na verdade, intentastes o mal contra mim; porém Deus o intentou em bem, para fazer, como vedes agora, que se conserve muita gente em vida” (Gn 50.20, versão Almeida Corrigida Fiel da Bíblia). Geralmente temos a imagem de Deus que só conhece ou tem poder sobre o mal que nos acontece depois que rogamos a Ele. Será que há um átomo fora do controle de Deus? Será que há algo maior do que próprio Deus? Quão humilhante seria para quem acredita haver algo que foge ao controle do próprio Deus.

Como em Adão todos merecemos o castigo de seu pecado e carregamos a sua culpa então é simples, duro talvez, entender a razão, não injusta, de algumas pessoas nascerem com limitações físicas ou mentais. Geralmente pensamos que o mal nos aparece como se Deus não soubesse ou como se não tivéssemos culpa alguma ou merecimento algum, contudo tudo que ocorre de ruim em nossas vidas e que não seja a morte eterna é misericórdia de Deus. Entender isto faz com que sejamos humilhados em pensarmos que tivemos alguma vantagem (exaltação) perante outros que nasceram com certas limitações. Foi uma escolha de misericórdia de Deus. Deus faz tudo isto para Sua glória como foi o caso do homem cego de nascença: “E passando Jesus, viu um homem cego de nascença. Perguntaram-lhe os seus discípulos: Rabi, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego? Respondeu Jesus: Nem ele pecou nem seus pais; mas foi para que nele se manifestem as obras de Deus” (João 9.1-3).

Até para quem é cristão há muito tempo é difícil admitir que os agentes do mal como os demônios são controlados primeiramente por Deus, pois a nossa fé, santidade ou fidelidade não são a causa de afastá-los dos problemas em nossa vida, mas os instrumentos de Deus que temos para usar contra eles. Se são instrumentos, Deus é a fonte de poder. Não temos qualquer fonte de poder em nós. Ora, o diabo provocou grande desgraça na vida de Jó por permissão de Deus: “Ao que disse o Senhor a Satanás: Eis que tudo o que ele tem está no teu poder; somente contra ele não estendas a tua mão. E Satanás saiu da presença do Senhor” (Jó 1.12). E Jó não tinha qualquer problema de pecado. Paulo rogou ao Senhor três vezes para tirar um mensageiro de Satanás de sua vida, mas era permissão de Deus continuar como estava: “E, para que me não exaltasse demais pela excelência das revelações, foi-me dado um espinho na carne, a saber, um mensageiro de Satanás para me esbofetear, a fim de que eu não me exalte demais; acerca do qual três vezes roguei ao Senhor que o afastasse de mim; e ele me disse: A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza” (II Coríntios 12.7-9). Paulo não tinha qualquer problema de fé ou fidelidade com Deus.

Nem todo problema – de origem demoníaca ou não – nos vem para ser vencido, entretanto resistido: “Sei passar falta, e sei também ter abundância; em toda maneira e em todas as coisas estou experimentado, tanto em ter fartura, como em passar fome; tanto em ter abundância, como em padecer necessidade. Posso todas as coisas naquele que me fortalece” (Filipenses 4.12,13). Isto gera uma certa frustração, ou melhor, humilhação aos que se acham poderosos por estarem com Deus. Na presença de Deus principalmente não há qualquer motivo de exaltação.

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